A magnanimidade daqueles pequenos grandes homens, que em pequenas cascas de noz navegavam por mares desconhecidos, perigosos, imensos, e que deram novos mundos ao mundo, permanecerá nos livros e registos históricos, tal como na memória desprovida de condenatórias e deformatórias ideologias que tendem a ostracizar os descobrimentos e a propaganda da Fé que teve lugar nalgumas das mais belas e extraordinárias páginas da nossa história. Tal epopeia e heroísmo ainda ofusca os parcos e preguiçosos homens que por detrás de um computador e de algumas cátedras visam tornar bom aquilo que é mau e subverter a ordem das coisas, pensando que a massa dos heróis que construiu a nossa civilização é a mesma dos poltrões que a pretendem reescrever. Alguns livros de História influenciados por gente assim são pródigos em justificar interesses financeiros ou emancipatórios nos destemidos navegadores e missionários que deixavam a família e a pátria, em Naus e Caravelas, sem saber se um dia voltariam. Tem pouca lógica pensar que a bordo estavam uns quantos criminosos e aproveitadores dispostos a enfrentar monstros reais ou imaginários, piratas e salteadores, tribos e exércitos, ventos e tempestades, ondas e vagas, a fome e a sede, o escorbuto e a morte… somente por uma qualquer e hipotética possibilidade de fama ou bens materiais. E se bandidos fossem a maioria dentro daquelas embarcações, produziriam tanto quanto um estabelecimento prisional nos nossos dias: pouco ou quase nada.
Imagine que pedíssemos para alguém saltar dentro de um poço para ver se lá no fundo encontra ouro. Certamente, poucos o fariam. Para quê arriscar a vida sem a certeza de encontrar ali algo que mereça correr tais riscos? Com a mesma lógica, se não fosse por um alto ideal, poucos teriam atravessado o Oceano correndo risco de comprometer seriamente a saúde e a própria vida, pois bens materiais não fazem viver mais. E eles não eram negligentes na consideração dos mistérios e dos perigos que cercavam os mares e as navegações. Voltemos ao início da questão e consideremos, entretanto, que houvesse pessoas aflitas para salvar dentro do poço: então, com maior probabilidade, alguns arriscariam entrar. Assim também foram muitos os que arriscaram a vida no passado para salvar almas, santos e intrépidos missionários, homens de grande fé e coragem que levados por um altíssimo ideal, desfiavam as contas do Rosário enquanto o vento lhes desalinhava os cabelos e o sol lhes curtia a pele, contemplando o infinito que os levaria a uma nova terra e ao Céu. E isso, o ouro não compra. E as ordens mendicantes que seguiam a bordo, ou os abnegados e obedientes jesuítas, por tal não se interessavam, a não ser que ornassem com bens tais as igrejas e catedrais, tempos em que o ouro e a prata não estavam nos bolsos dos religiosos, mas na dignidade e decoro da casa de Deus e da liturgia com que Lhe prestavam culto. Davam também mais valor às almas a quem pregavam e batizavam, a quem ensinavam e civilizavam.
Se considerarmos a grandeza dos países e a extensão das missões, em tão variados locais onde aportaram os portugueses, não podemos desvalorizar os missionários que os acompanhavam para ali plantar a Fé como a maior das sementes a ser lançada às novas terras descobertas, como fica patente no final da Carta de Pero Vaz de Caminha, onde comunica a principal preocupação e ocupação ao aportar no Brasil: colocar-se a cruz e celebrar-se a missa, assistida e participada por alguns índios, que pelas atitudes de respeito e curiosidade levariam o cronista a escrever: “não duvido que eles, segundo a santa intenção de Vossa Alteza, se hão de fazer cristãos e crer em nossa santa fé, à qual praza a Nosso Senhor que os traga […] Portanto Vossa Alteza, que tanto deseja acrescentar a santa fé católica, deve cuidar da sua salvação. E prazerá a Deus que com pouco trabalho seja assim”. E após enumerar a fertilidade do Brasil, tal como a abundância das águas, e comunicar que nessas terras não haviam encontrado ouro ou prata, mas somente bons ares e a possibilidade de futuros cristãos, encerra: “o melhor fruto, que nela se pode fazer, me parece que será salvar esta gente. E esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza em ela deve lançar”.[1] Essa grande nação não começou com trocas comerciais, mas com uma missa, e a intenção de aí lançar-se a principal das sementes: a Fé. Hoje, é o maior país cristão do mundo. Aí, missionários como um São José de Anchieta, percorreram extensões e Kms que muitos de nós ainda não lográmos sequer de carro… Como não há histórias perfeitas (muito menos no passado recente), alguns consideram mister salientar os pontos negativos das navegações portuguesas e das missões. Areia nos olhos de quem facilmente percebe o tanto de tão poucos que ainda permanece em tantas nações de grandes proporções e que professam a fé católica, levada pelos portugueses. E se o Império monárquico e político acabou por desvanecer-se em países, hoje, soberanos, a religiosidade, essa, perdura e teima em irmanar nações tão dispares como as antigas colónias portuguesas, num só povo irmão na fé e na língua em que comunica entre si e com Deus.
Escutava certa vez o comentário de um professor católico de História da Civilização que o nosso problema foi quando os portugueses começaram a deixar de querer ser santos para passar a serem heróis; foi uma escadinha. Parece-me que o tombo foi grande e já rolou por vários outros degraus e patamares… Hoje, não levamos a fé, importamos paganismo. Fomos capazes de paganizar o Natal com celebrações e hábitos consumistas que em nada lembram a Natividade de Jesus, e de paganizar a Festa de Todos os Santos para importar a ideia de esquartejar em figuras sinistras umas quantas abóboras com que os Irlandeses emigrados para o Continente Americano pretendiam pacificar os espíritos seguindo a prática dos velhos druidas celtas. Não importamos exclusivamente festas pagãs, mas também ideologias falhadas, que já apodreceram nos tubos de ensaio de alguns dos maiores radicalismos e inversões de valores de certas filosofias e políticas, com notórios decréscimos demográficos e morais que se têm revelado devastadores para a cultura e a sociedade ocidentais. E ainda damos lições de moral, achando que a nossa democracia é a melhor do mundo, a ponto de criticarmos países soberanos pelas suas políticas tão diferentes das nossas degringoladas geringonçadas desengonçadas. Nunca fomos tão presunçosos… Antes levávamos a Fé em Deus, hoje achamos que o nosso modelo democrático vai salvar o mundo. Os nossos modelos políticos nunca subsistiram nas nações que estiveram sob a nossa alçada. Já a Fé, essa, até hoje permanece, a ponto de vir agora alimentar a catolicidade europeia num movimento contrário, de quem colhe os frutos que plantou. No passado, os missionários portugueses levaram a fé a tantos lugares do mundo, hoje, vivemos de religiosos vindos de outros países e Continentes, para manter viva a chama de alguns católicos que teimam em não abandonar a prática da sua Fé. É a Europa que voltou a ser terra de missão!
P. José Victorino de Andrade
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[1]A CARTA DE PERO VAZ DE CAMINHA. Ministério da Cultura: Fundação Biblioteca Nacional – Departamento Nacional do Livro. Disponível em: http://objdigital.bn.br/Acervo_Digital/Livros_eletronicos/carta.pdf
Ver outros artigos sobre estes assuntos:
MISSÃO: https://aportesdaigreja.com/tag/missao/
História reescrita por alguns:
https://aportesdaigreja.com/2018/06/02/reescrever-a-historia-para-inculcar-ideologias/
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Por vezes demoro a aprovar, mas em geral sim…
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