Há uma grande tendência nos nossos dias a separar a Fé da vida concreta, como se a nossa adesão a Cristo e à Sua Palavra pudesse ser feita apenas dentro das quatro paredes do templo, sem que isso tenha qualquer consequência ou necessite coerência com a nossa vida cotidiana. Diante de Palavras de vida eterna dizemos amém, saímos, e parece que não ouvimos. Quantos que se dizem católicos e ao mesmo tempo professam a irreligião, que é a favor do aborto, da eutanásia, de uniões e desuniões que não geram vida… Procuram na Igreja a Salvação, e quando saem dizem não acreditar na vida eterna, conforme sondagem recente realizada aos portugueses, em que uma maioria disse não acreditar na vida além da morte ou tender mesmo para a reencarnação ou outros panteísmos. Isto, num país maioritariamente cristão, é preocupante. Como são preocupantes certas escolhas políticas que acabam por ser contrárias à Fé e persecutórias da liberdade de crença, dos Institutos de Solidariedade Social, confessionais ou não, e do ensino livre e religioso. Durante o tempo que alguns ditos católicos rezam ou vão à Igreja são uma coisa, depois saem e fecham as portas a Deus e à cultura de vida e de Fé que coerentemente deveria pautar as suas atitudes e vivências. E fazem opções que vão num sentido contrário. Essa espécie de bipolaridade, na qual dizem que têm fé ou acreditam em Deus, mas na vida apoiam programas contrários à sua crença, revela um relativismo sem precedentes. Crer numa coisa e fazer outra, é no mínimo falta de seriedade, passa mesmo pela maldade, pode chegar à insanidade. Louvo aqui a coerência daqueles que sendo católicos, deixam que o Evangelho e a Doutrina da Igreja pautem a sua vida, como também reconheço autenticidade naqueles que sendo avessos à Fé, coerentemente, não poem os pés na Igreja a não ser por determinados atos sociais, e mesmo assim, prescindem de comungar, porque sabem não estar em comunhão. O problema são os pseudocatólicos meio termo. Dizem, mas não vivem; por vezes até vão, mas não são; fariseus, que querem parecer; doutores da lei, que dizem já saber; saduceus, que não querem crer. Os personagens bíblicos repetem-se…
“Seja este o vosso modo de falar: Sim, sim; não, não. Tudo o que for além disto procede do espírito do mal” (Mt 5, 37). É de coerência que o Senhor nos fala. Ou somos (pelo menos tentamos), ou não somos. Acariciar as contas do terço para depois passar a mão no chifrinho do diabo, é ser falso, é pretender acender uma vela a Deus e outra a Lúcifer, para estar bem com todos. Esses, são os mornos de que nos fala o Apocalipse, que causam ‘náuseas’ e ‘vómitos’ a Deus: “Oxalá fosses frio ou quente. Assim, porque és morno – e não és frio nem quente – vou vomitar-te da minha boca” (Ap 3, 15-16). Há posições e partidos políticos cujo programa contraria a doutrina social e moral da Igreja em pontos fundamentais e não negociáveis. A maior parte dos seus partidários diz-se, pelo menos ateu ou anticlerical. Ótimo!!! Não me entrem pela Igreja para fazer propaganda política e sigam a sua ideologia. Agora, os que no meio disto se dizem católicos, são os mornos. Querem conciliar o inconciliável. Não são católicos, mas caóticos, recordando a frase de um Cardeal da Igreja relativamente a um político que mascarava-se de católico. Aqueles que pretendem fazer um mix entre religião e doutrinas irreconciliáveis com o catolicismo, visam, quais lobos com pele de ovelha, baralhar os católicos e anestesiá-los na consciência. Angariar votos. É um jogo político sujo, maquiavélico, falsidade a que muitos já nos habituaram e que descredibiliza cada vez mais a democracia. Não vale tudo… Já lá vai o tempo em que Fidel Castro se passeava pelas ruas de Caracas fardado e com um terço ao pescoço, para ver se enganava os católicos, para depois tornar aquele país um dos mais ateus do mundo, pelo menos, com um número reduzidíssimo de batizados. A estratégia mantém-se, não com terços ao pescoço, mas gravatas (quando as usam) e sorrisos amarelos, falsos e feios.
A Nota Doutrinal da Congregação para a Doutrina da Fé sobre algumas questões relativas à participação e comportamento dos católicos na vida política (2002) assinada pelo então Cardeal Ratzinger, mais tarde Papa Bento XVI, dá plena liberdade de escolha aos fiéis relativamente aos partidos políticos, desde que estes sejam “compatíveis com a fé e a lei moral natural”, e possuam “uma recta concepção da pessoa”, sem ser possível aos católicos “descer a nenhum compromisso; caso contrário, viriam a faltar o testemunho da fé cristã no mundo e a unidade e coerência interiores dos próprios fiéis” (n. 3). Este documento adverte os católicos para políticas que “visam quebrar a intangibilidade da vida humana”. E chama à responsabilidade todos os políticos cristãos que “têm a ‘clara obrigação de se opor’ a qualquer lei que represente um atentado à vida humana. Para eles, como para todo o católico, vale a impossibilidade de participar em campanhas de opinião em favor de semelhantes leis, não sendo a ninguém consentido apoiá-las com o próprio voto” (n. 4). Na íntegra, diz o parágrafo: A consciência cristã bem formada não permite a ninguém favorecer, com o próprio voto, a actuação de um programa político ou de uma só lei, onde os conteúdos fundamentais da fé e da moral sejam subvertidos com a apresentação de propostas alternativas ou contrárias aos mesmos. Uma vez que a fé constitui como que uma unidade indivisível, não é lógico isolar um só dos seus conteúdos em prejuízo da totalidade da doutrina católica. Não basta o empenho político em favor de um aspecto isolado da doutrina social da Igreja para esgotar a responsabilidade pelo bem comum (n. 4). De acordo com o agora Papa Emérito, há princípios que para os católicos não podem ser negociáveis, e deveriam inspirar um voto coerente:
- O respeito pela vida, da sua conceção à morte natural;
- O respeito pelo matrimónio e a família, monogâmica, indissolúvel, complementar (homem e mulher) e aberta à vida;
- A liberdade na educação, sem imposição de ideologias, reconhecendo aos pais autoridade para educar os filhos de acordo com os seus valores, conceitos e religião, à qual o Estado poderá vigiar e complementar, mas não substituir.
- A ampla visão do Bem comum, que não é pervertido por interesses particulares, de grupos, minorias ruidosas, ideologias extremistas, animismos e animalismos…
- A liberdade religiosa, respeitada e não perseguida, segregada ou ignorada… Uma sadia laicidade, de separação Estado-Igreja, não se pode transformar num laicismo, confessional do ateísmo…
Não basta um partido ter alguns programas aliciantes e que se aproximam da Doutrina Social da Igreja, se no seu bojo carregam consigo projetos iníquos que ferem “exigências éticas fundamentais e irrenunciáveis”, que dizem “respeito ao bem integral da pessoa”. O Documento da Santa Sé já citado sintetiza algumas matérias que não são negociáveis pelos cristãos nem estes podem aceitar que sejam relaxadas pelas leis: “matéria de aborto e de eutanásia”; “direitos do embrião humano”; “promoção da família, fundada no matrimónio monogâmico entre pessoas de sexo diferente e protegida na sua unidade e estabilidade”; “garantia da liberdade de educação, que os pais têm em relação aos próprios filhos – um direito inalienável”, “libertação das vítimas das modernas formas de escravidão (pense-se, por exemplo, na droga e na exploração da prostituição)”; “direito à liberdade religiosa”; “economia ao serviço da pessoa e do bem comum” (cf. n. 4). Por isso é importante um cristão conhecer bem o programa de cada partido político. Não se deixe levar pela ignorância nem por falinhas mansas. Não se deixe comprar por dinheiro… Eles dizem que dão por um lado e tiram por outro. Um partido que prometa aumentar as reformas e queira a eutanásia, vai compensar as suas finanças com os velhos e doentes eutanasiados: afinal, os cuidados paliativos custam caro, e quantos menos receberem a reforma que não precisam no cemitério, melhor, num país que conta cada vez mais com idosos. Cuidado com extremismos e totalitarismos. Não se queixem depois se as instituições da Igreja estão a definhar e a fechar, se votaram em partidos radicais que não respeitam as instituições particulares e a liberdade religiosa. Votem em consciência. O mais que pode acontecer, é colherem aquilo que plantaram. Afinal, os povos democráticos têm os governos que merecem…
P. José Victorino de Andrade
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