Lia recentemente uma curiosa lenda árabe que atribui um belo pensamento sobre o ser humano ao erudito matemático persa Al-Khwarizmi: se tiver moral, dizia o sábio, será 1; inteligente, acrescente zero, 10; rico, mais um zero, 100; Belo, então será 1000; mas, tire a moral ao indivíduo, e ficará apenas com os zeros… Sem dúvida uma sapiente, rica (em conteúdo) e bela história, que talvez não o fosse se não possuísse uma moral. E que aponta hoje para tantos zeros e tantas outras nulidades humanas. A moralidade, tão exaltada pelos nossos antepassados, é hoje, mais do que nunca, ignorada ou ostracizada. Procura-se erudição e conhecimento, títulos, perseguem-se riquezas, património e prosperidade, moldam-se corpos e determinam-se estéticas de acordo com os padrões da moda transitória e efémera. Moral, até soa mal. Se alguém aponta um caminho que nos torna mais humanos e menos mundanos, somos logo apelidados de moralismos. O problema é, que de tanto se repetirem determinados clichés, e acusarem-se de moralistas aqueles que não sendo perfeitos – ninguém o é –, denunciam corajosamente os erros e absurdos deste mundo pós-moderno, acaba-se por reduzir ao estado de farisaísmo quem se dedica à bela obra de misericórdia de corrigir e ensinar. Entretanto, é preciso não confundir os fariseus com Jesus, entre os hipócritas que não querem sair do establishment em que vivem, e quem lhes fala ao coração palavras de conversão e de vida eterna. A rejeição ao profetismo e a quem diga a Verdade, acaba por ser uma rejeição ao próprio Deus. Ainda recentemente, um sacerdote idoso, devidamente identificado, pediu educadamente a uma família demasiado agitada e barulhenta que passava junto a um local de oração no Santuário de Fátima para fazer um pouco de silêncio pois estavam pessoas a rezar. Respondeu sem hesitar uma entre os histéricos: “Oh, vai mas é para a cama…”. Vá lá, pensou o venerando padre retirando-se, ao menos não disse um palavrão. E essa gentinha permaneceu no local sagrado a avacalhar… Eis o mundão diante da moralidade, até mesmo da ancianidade e respeitabilidade de um homem de Deus, que apela à ordem e aos bons costumes.
Quem quer que diga uma verdade que dói ou alerte para um perigo que espreite e que necessite de uma reação enérgica e vigorosa dos periclitantes, é imediatamente acusado de hipocrisia e de estar a julgar. É muito decidora uma irónica e divertida banda desenhada que circula pelas redes sociais, de um pastor que aponta e alerta para lobos nas proximidades prestes a devorar o rebanho, e que é agredido pelas próprias ovelhas que lhe dizem para não condenar, muito menos os lobos, que ele sendo pecador não tem direito a julgar ninguém e que é por ele descriminar os canídeos que estes se tornam violentos… Viram-se contra quem alerta, e desprezam por comodismo o perigo. De fato, parece mais fácil hostilizar quem aponta para os riscos contemporâneos do que acautelarem-se de uma matilha ideológica que avança, como o diabo na expressão de São Pedro na sua Epístola, pronto a devorar-nos e a quem é preciso resistir firmes na Fé (1 Pe 5, 8-9). Embora, pela atual ordem de ideias, também o primeiro Papa era um hipócrita, pois quem era ele, que até tinha negado Jesus, para dar lições de moral, e acusar o pobre encardido há tanto tempo a arder no inferno só porque negou uma vez enquanto São Pedro negou três. Pobre do chinfrudo. Quem pensa São Pedro que é para julgar? E São Paulo nas suas múltiplas advertências??? Caro leitor… talvez esteja a rir… Ainda não percebeu que a presente revolução quer amotinar para chegar ao reino da irrisão? Para tal, usa de uma estratégia, repete umas coisas ad nauseam, como esta do moralismo, de não julgar ninguém, ou descriminar quem quer que seja, etc. como um slogan de gente pouco capaz de conteúdos lógicos para dialogar, mas pródiga em clichés e frases isoladas que visam colocar peso de consciência nos bons. Revestem-se sempre de um aparente humanismo, amor ao próximo, paz e bem, lã felpuda e suja que serve de esconderijo a lobos vorazes.
Há certo tempo, um sacerdote apresentou-me um livro da serva de Deus Lúcia de Jesus Apelos da Mensagem de Fátima – uma resposta concreta da vidente aos avanços do pecado e das suas estruturas no mundo de hoje, à luz das advertências da Mãe do Céu –, catalogando-o de uma obra demasiado moralista. Claro que por acréscimo, a doutrina fatimóloga deveria evitar tal conotação, mas não vejo como isso possa ser possível sem uma hermenêutica que altere significativa e radicalmente a mensagem e o segredo da Senhora mais brilhante que o sol aos homens de hoje. A moda de acusar tudo e todos de moralismo entrou como uma fumaça de Satanás no Templo. O cliché revolucionário começou a fazer os seus estragos e a intoxicar as fileiras da Igreja Militante. Saímos do moralismo e entramos no relativismo, e até que nos julgamos felizes por isso. Mas não sei se estamos melhor… A Caritas in Veritate punha já a descoberto a presente “crise cultural e moral do homem, cujos sintomas são evidentes por toda a parte” (n. 32). Também o Papa Francisco alertou na Laudato Sí: “vivemos já muito tempo na degradação moral, baldando-nos à ética, à bondade, à fé, à honestidade; chegou o momento de reconhecer que esta alegre superficialidade de pouco nos serviu. Uma tal destruição de todo o fundamento da vida social acaba por colocar-nos uns contra os outros na defesa dos próprios interesses e provoca o despertar de novas formas de violência e crueldade” (n.229). Neste dia em que a Igreja celebra Santo Afonso Maria de Ligório, pai da moral, e escutámos do ambão que o Senhor não veio para alterar qualquer vírgula da Lei, mas para confirmá-la, atrevo-me a proclamar: nem moralismo, nem relativismo. Moralidade, é que o mundo precisa, para ganhar vergonha na cara, porque isto está mau, mas parece caminhar para o pior se não houver homens e mulheres profetas que façam frente às ideologias dominantes e tirânicas que levam a humanidade à sua autodestruição sem medo da crítica ou da perseguição.
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