A doutrina de São Tomás de Aquino permanece, em grande número de aspetos, imutável como a verdade, aplicável em qualquer locus espacial ou cronológico.[1] Mesmo em termos político-sociais, que subsistem entre outros subsídios de grande, histórico e inolvidável valor. O respeito pela natureza de cada poder (temporal e espiritual) e o ideal do governante, encontra em pleno Séc. XIII uma explicitação que, longe de ser nova, estava já amadurecida.
O Aquinense manifesta preferência, mas não exclusivismo, quanto a uma forma de Governo. Considera a possibilidade e a legitimidade de um regime monárquico, aristocrático, ou mesmo democrático, conforme se depreende dos comentários à Política de Aristóteles. E trata desta matéria, no De regimine principum (ou De Regno), e na Suma Teológica (I-II, q. 95, a. 4). Quanto ao governante, São Tomás prefere o que preside a todos, com virtude, ajudado pelos que estão sob a sua autoridade e seguem os mesmos critérios, podendo ser escolhidos entre todo o povo e por ele eleitos (S. Th. I-II, 105, 1, sed). Um regime monárquico no sentido em que um (μόνος) governa (ἀρχή), com a participação e contributo de uma alta classe dirigente e do próprio povo.
Ele invoca ainda a prerrogativa para dar “a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” (Mt 22, 21). Assim, naquilo que “pertence à salvação da alma […] é melhor a obediência à potestade espiritual, do que à secular”, enquanto para o “bem civil, é melhor a obediência às potestades seculares do que às espirituais (IV Petr. Lomb. II, d. 44, q. 2, a. 4, ad. 4).[2] O Doutor Angélico possui bem a noção da responsabilidade cabível quer ao poder temporal, quer ao espiritual: “aos príncipes seculares os preceitos legais, determinados pelo direito natural, que pertencem à utilidade comum nas coisas temporais” e “aos prelados eclesiásticos estabelecer os preceitos que pertencem à utilidade comum dos fiéis nos bens espirituais” (S. Th. II-II, q. 147, a. 3, r)[3]. Identifica, ademais, um bem para a sociedade, ao qual ele apelida bem comum: “o fim das singulares pessoas existentes na comunidade, assim como o bem do todo é o de cada uma das partes” (S. Th. II-II, q. 58, a. 9, ad 3)[4].
Para São Tomás de Aquino o regente deve promover o bem comum, um regime “reto e justo, como convém aos homens livres” e opõe-se ao que privilegia o “bem privado dos regentes” tornando-se “injusto e até mesmo perverso” (De Regno I, c. 2)[5]. Caso ele assuma o poder de modo ilegítimo, governe para os seus próprios interesses, sem o respeito pela liberdade e a ordem moral das coisas que lhe antecedem e que pertencem a Deus, ele confunde-se então com um tirano, a quem seria legítimo fazer oposição e resistir.[6] E lembra ainda São Tomás de Aquino que não basta derrubar o tirano, é preciso começar por acabar com a tirania, senão, um outro tirano, talvez até pior, sucede-lhe (De Regno I, c. 6).
P. José Victorino de Andrade
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[1] Segundo Paulo VI: “His philosophical knowledge, […] is neither medieval nor proper to any particular nation; it transcends time and space, and is no less valid for all humanity in our day” (AAS 56 [1964], p. 303-304).
[2] “[…] saecularis potestas est sub spirituali, inquantum est ei a Deo supposita, scilicet in his quae ad salutem animae pertinent; et ideo in his magis est obediendum potestati spirituali quam saeculari. In his autem quae ad bonum civile pertinent, est magis obediendum potestati saeculari quam spirituali, secundum illud Matth 22, 21” (tradução minha).
[3] “Sicut ad saeculares principes pertinet praecepta legalia, iuris naturalis determinativa, tradere de his quae pertinent ad utilitatem communem in temporalibus rebus; ita etiam ad praelatos eclesiásticos pertinet ea statutis praecipere quae ad utilitatem communem fidelium pertinent in spiritualibus bonis” (tradução minha).
[4] “[…] bonum commune est finis singularum personarum in communitate existentium, sicut bonum totius finis est cuislibet partium” (tradução minha).
[5] “Si igitur liberorum multitudo a regente ad bonum commune multitudinis ordinetur, erit regimen rectum et iustum […]. Si vero non ad bonum commune multitudinis, sed ad bonum privatum regentis regimen ordinetur, erit regimen iniustum atque perversum” (tradução minha).
[6] Um estudo muito interessante e que cita frequentemente São Tomás de Aquino em: PAUPÉRIO, Arthur Machado. Teoria democrática da resistência. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, V. 3, 1997.
Verdades são e serão sempre verdades.
Intemporais.
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