Muito se tem aproveitado com os recentes escândalos da pedofilia para escrever e falar sobre o celibato dos padres. As críticas surgem nos jornais e na internet, realizadas por muitos que não vivem a fé nem frequentam a Igreja, mas são prolixos em criticá-La quando surge aquela oportunidade característica de um já provecto anticlericalismo ensebado e pirangueiro, inquisitorialmente à espreita das quedas eclesiásticas para pontapear a Esposa Mística de Cristo com maior facilidade e menor defesa. Curiosamente, surgem entre eles dois ou três padres que carregam os títulos clericais quando lhes convém, para ter visibilidade nos meios de comunicação, mas não carregam nem o traje nem uma vida própria a um clérigo dedicado e próximo das necessidades sacramentais e sociais do povo. Pregam o cheiro das ovelhas, mas não lhes tocam nem se aproximam. Padres de cátedra e de imprensa, de fato e gravata, amasiados com este mundo, separados há muito da promessa de fidelidade que fizeram à Igreja.[1] Dizem-se amigos do Papa, mas a sua doutrina é contrária à dos Pontífices. Amigos da onça. Sindicalistas da fé. Orgulhosos polemistas. Se não contradissessem tudo o que cremos e vivemos, não teriam visibilidade, pois a opinião inflamada de uma minoria contraditória, vende mais do que a estabilidade e a praxis de uma maioria que vive aquilo que é, e não se aproveita daquilo que vive.
Nós, sacerdotes, conversamos sobre muitas coisas… Conhecemo-nos relativamente bem. Encontramo-nos ao longo do ano algumas vezes. De norte a sul do país, dos “quatro cantos” do mundo, muitos passam por Fátima. Passam pela confissão, merecem atenção, há diálogo e cooperação. Nunca ouvimos colegas nossos a suspirar por um matrimónio. Pergunto então, porque um pequeno punhado está tão interessado que os padres casem? Diz o adágio de hoje que cada um é livre de casar com quem quiser, homem ou mulher. Também os padres optaram livremente, e fizeram a sua escolha. E ninguém os pode obrigar a casar. Nem o casamento é válido pela Igreja, pois tem de ser de livre vontade, não de condicionada liberdade. Tirando um ou outro irmão, amigo da contradição, os padres não estão nem para aí virados ou preocupados. Casamentos? Só aqueles que têm de celebrar nas suas paróquias. Porque não perguntam aos padres se eles querem casar antes de opinar? Como se o casamento fosse uma espécie de panaceia universal onde se resolvem todos os problemas da Igreja. Nós, melhor do que ninguém, conhecemos bem os problemas e os desafios do matrimónio. Só aos padres que tanto trabalham a escrever livros e artigos, professores e doutores, de gravata e grande lata, acaba por faltar-lhes tempo para conhecer as inquietações do povo num confessionário e poderiam ter tamanha presunção e pensar que no casamento está tudo bento. Homens que vivem à parte, condicionados no seu mundo e nas suas bibliotecas, que quase nem falam com o povo nem convivem com os colegas, não representam a opinião pública quando fazem uso da opinião publicada…[2]
Já escrevi num artigo anterior que a maior incidência de casos de pedofilia dá-se com homens casados, um bom número de vezes recasados, entre eles padrastos que não respeitam os filhos dos parceiros. Homens e mulheres com uma vida sexual ativa e por vezes até frequente. Se o matrimónio resolvesse esses problemas, as estatísticas seriam muito diferentes.[3] Parece-me ainda que o casamento dos padres não diminuiria, mas aumentaria os escândalos da Igreja, porque antes de mais o padre é um homem de carne e osso, falível e frágil, tão ou mais tentado que os outros homens. Imaginem um padre casado seduzido por outra mulher e que traísse a sua esposa… Um padre casado que cometesse pedofilia… Um padre casado que se separasse… Um padre casado e separado que se juntasse a outra mulher… um padre casado que tivesse relações com alguém do mesmo sexo… etc. etc. etc. Um padre casado continua a ser, antes de mais, um padre concebido no pecado. E a imprensa continuaria a dar ampla visibilidade a todos aqueles que não vivessem conforme a coerência e a autenticidade daquilo que a Igreja ensina. As aberrações que a sociedade quer tornar normal no amor livre, permanecerão para o cristão como matéria de acusação. Aproveitar-se-ão sempre da sua fragilidade. Um homem ser homossexual, para a sociedade tornou-se normal. Ter uma mulher que não lhe pertence, comum e corrente… A pedofilia, quase a cada dia. Mas se for um padre, terá exposta a sua vida aos demais ao cometer pecados tais. Nem aparecem para defendê-lo os Direitos Humanos ou de outros manos, nem esquerdistas nem panteístas. Torna-se logo matéria para reportagens, fotos e filmagens. Tem a sua vida exposta, enxovalhada e incriminada. Havendo casos onde até se prova a inocência, não têm então a mínima decência para retificar e contar que tudo não passou de uma mentira ou armadilha.
Ora, para não ficarmos no campo da opinião e das conjeturas, passemos a números e factos, dificuldades e realidades:
– Os pastores evangélicos ou de outras seitas cristãs são homens casados e o número de pedófilos entre eles conta com uma percentagem maior do que na própria Igreja Católica; Portanto, não é por aí que se acaba com a pedofilia ou outros casos escandalosos.
– A igreja anglicana conta há muitos anos com padres casados e os problemas com a falta de vocações e os escândalos estão tão ou mais presentes do que na Igreja Católica inglesa; Não foi por isso que o Anglicanismo cresceu, pelo contrário, até certo número abandonou e veio para a Igreja Católica, mesmo sabendo que aí não podiam casar…
– Os Diáconos Permanentes na Igreja são homens casados e a taxa de vocações ao diaconato permanente nunca teve um boom até aos nossos dias. Continuam a ser uma minoria na Igreja;
– Ao contrário das largas somas recebidas por padres professores doutores de fato e gravata, alguns favoráveis ao casamento, a maior parte dos sacerdotes não tem meios financeiros para sustentar uma família. Não têm sequer casa própria. Vivem na casa paroquial, e cada vez que o bispo os enviasse para uma nova paróquia, talvez distante, teriam de levar os filhos e a mulher atrás. Os filhos teriam de trocar de escola e a esposa talvez procurar outro trabalho. Ora, um padre tem a promessa de obediência ao Bispo, mas a esposa e os filhos, não. Ademais, o Bispo e uma Diocese não tem condições nem se pode responsabilizar por famílias inteiras, alimentá-las, alojá-las, sustentá-las…
– A intimidade da residência, para o religioso, transforma-se na intimidade com Deus e preparação para os desafios do ministério. Tempo de descanso, oração e estudo. Um sacerdote fora do exercício do seu ministério na Igreja, como teria tempo para a família, brincar com os filhos, ajudá-los nos estudos, fazer os trabalhos próprios a uma casa movimentada, compras para o lar, contas para pagar, reuniões e outras preocupações. Ora, teria de tirar tempo ao seu ministério. Mas se as pessoas se queixam que os padres já têm tão pouco tempo para o confessionário e para os atendimentos, para as visitas e para os sacramentos…
– Como seria a disponibilidade de um padre que estivesse a levar os seus filhos para a escola ou para o lazer, ou estivesse deitado com a sua esposa, ou a sair para um passeio com a família e recebesse um telefonema para uma assistência num hospital, um funeral ou qualquer atendimento urgente… como conciliar tudo isso? Recorde-se, é também uma dificuldade, não uma impossibilidade.
– Na relação entre o marido e a esposa não há segredos. Como seria possível então conservar o segredo de confissão? Uma parte da vida do sacerdote esposo, os segredos próprios ao sacramento, seriam ocultos e omissos na relação.
– O padre, como o próprio nome indica, já é pai. Não tem um, dois ou três filhos, mas todos na comunidade, especialmente aqueles que gera em Cristo, lava com a água do batismo, nutre com a eucaristia, reconcilia e aconselha na confissão, acompanha ao altar do matrimonio ou impõe após o bispo as mãos… Ele tem filhos de todas as idades, tonalidades e condições sociais. É padre, o nome diz tudo. E quem é padre de verdade, dedicado e empenhado, sabe que é muito difícil conciliar o matrimónio com a vocação e a disponibilidade. Essa, é a realidade…
Isto significa que as portas do matrimónio para os sacerdotes estão irremediavelmente fechadas? Não!!! Pois não é pela lei divina, mas pela lei eclesiástica que o sacerdote é celibatário. Essa doutrina está apoiada nas Escrituras e por vários documentos da Igreja. Pelo Direito Canónico. Trata-se de um assunto que pode ser ponderado e discutido em alguma comissão teológica ou num Sínodo convocado pelo Papa, ou mesmo alterado num Concílio. O Sumo Pontífice tem poder para alterar essa disposição. Mas não será pela reivindicação no jornal. O sindicalismo luta para obter melhores condições de trabalho e na luta de classes ferem-se sociedades injustas. Na Igreja, nunca será essa a ferramenta ou a arma para a mudança, pois não se coíbe o Espírito Santo, nem disposições históricas e disciplinares com páginas de jornais que destilam arrogância e orgulho. Os padres de gravata, vestidos como homens casados ou que vão casar, terão de esperar. Quanto aos demais, ainda que as portas do matrimónio lhes sejam franqueadas, não significa que as possibilidades serão logo acatadas nem se deseja que qualquer um de modo precipitado se faça logo um homem casado. Os seminaristas, se quiserem casar, não pensam para tal entrar no Seminário. Os padres mais jovens talvez fujam de ser assediados e vão estar demasiado atarefados para serem bons namorados. Os de mais idade têm tamanha responsabilidade que nem pensar em casar. Os idosos, a natureza já não permite… Os missionários e religiosos, até pelo voto de obediência, pobreza e castidade, manter-se-iam indisponíveis, e eles são uma grande parte dos ministros de Deus. Bom, pela análise atual, para alegria do clero, e para a glória de Deus, eu creio firmemente que ainda que fosse possível aos padres casarem, continuaria a grande maioria a ser constituída por solteiros e bons rapazes. Se algumas mulheres desesperadas quiserem, sobraram dois ou três padres doutores engravatados cheios de dinheiro e vontade. As fotos deles vêm nos jornais… Não se assustem… É o refugo do que há entre nós…
P. José Victorino de Andrade
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Este artigo não tocou na argumentação Bíblica, Histórica e Teológica, para dialogar com maior facilidade com o mundo de hoje. Se quiser aprofundar aquilo que diz a Bíblia, reza a História e a doutrina da Igreja, fiz uma síntese de páginas a consultar:
BÍBLIA SAGRADA
Alguns textos bíblicos e uma reflexão na página:
https://www.bibliacatolica.com.br/blog/por-que-o-celibato-do-sacerdote/#.W4kbCc5KjIU
DOCUMENTOS DA IGREJA
SACERDOTALIS CAELIBATUS
http://w2.vatican.va/content/paul-vi/pt/encyclicals/documents/hf_p-vi_enc_24061967_sacerdotalis.html
PRESBYTERORUM ORDINIS
OPTATAM TOTIUS
CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA
sobretudo os números 915; 944 e1579
http://www.vatican.va/archive/cathechism_po/index_new/prima-pagina-cic_po.html
HISTÓRIA
Uma síntese histórica muito interessante em:
https://padrepauloricardo.org/episodios/qual-e-a-origem-do-celibato-sacerdotal
Referências do presente texto em artigos já publicados:
[1] https://aportesdaigreja.com/2018/07/01/um-padre-pode-ensinar-doutrinas-diferentes-e-contrarias-as-que-ensina-a-igreja/
[2] https://aportesdaigreja.com/2018/05/23/a-distincao-entra-a-opiniao-publicada-e-a-opiniao-publica/
[3] https://aportesdaigreja.com/2018/08/25/o-problema-da-pedofilia-esta-na-igreja-ou-na-sociedade/
Apresentação muito profunda verdadeira e acessível… Sou esposa de um Diácono Permanente!!!
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Bom esclarecimento. Força!
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Agradeço as mais de 2000 visualizações deste artigo. Recebi mais de 150 comentários de apoio, entre clérigos e leigos, tanto pela minha conta como em diversos grupos do Facebook. Recebi também dois comentários negativos, ameaçando até de levar à Conferência Episcopal Portuguesa a minha pessoa. Agradeço a consideração e tamanha importância. Dou a conhecer que desde o primeiro dia o artigo foi enviado para a Nunciatura Apostólica Portuguesa, e lido por quem de direito, sem nada a obstar. Entretanto, alguns que se consideram mais papistas que o Papa, mas que professam doutrinas contrárias à da Igreja com base em algumas citações bíblicas fora do contexto, sentiram-se muito ofendidos. Gostava que eles também se sentissem ofendidos e escrevessem para a Conferência Episcopal cada vez que alguns padres engravatados destilam nos jornais aversão e sindicalismo contra tudo o que ensina e sempre ensinou a Igreja. Este artigo, encomendado por pessoas que ocupam lugares de importância na Igreja, foi uma resposta contundente a esses senhores, num momento em que muitos se calam com medo. O artigo cumpriu com aquilo que lhe era pedido. Resposta a alguns artigos de jornais, adesão dos bons, aversão dos menos bons e até mesmo ódio dos católicos ruins. Lia certa vez o Cardeal Martini a comentar que já Santo Inácio ficava muito preocupado quando alguns dos seus filhos não sofriam perseguições. Era sinal que não estavam a realizar bem a sua função dentro da Igreja…
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Obrigado pelos comentários que deixaram no facebook. Após quase 3000 visualizações dos artigos, surgiram mais de 300 comentários. Apenas cerca de 20 eram favoráveis ao casamento dos padres. Apenas 1 contrariou os argumentos com bases pouco sólidas e deturpando a Sagrada Escritura, e sem dúvida o pensamento da Igreja que poderá ser verificado nos links dos documentos da Igreja e do Catecismo que estão no artigo. Poderá ver os comentários de quem apoia e de quem critica, completos, nos links em baixo. Vários sacerdotes também se pronunciaram. Obrigado por tantos apoios e tantos leigos que ainda pensam como a Igreja:
https://www.facebook.com/manoel.victor.73700/grid?lst=100006405333708%3A100006405333708%3A1536351769
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O outro link: https://www.facebook.com/manoel.victor.73700/grid?lst=100006405333708%3A100006405333708%3A1536351769
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