Charlotte Gilman advertiu certa vez para “uma insolente tirania que não tem paralelo na nossa democracia. A Igreja respeita a consciência dos indivíduos; a lei respeita os direitos do indivíduo, o jornal não respeita nada”.[1] Existe hoje em dia uma considerável pressão mediática daqueles que são conhecidos como o quarto poder, na medida em que têm a capacidade de (in/de) formar a opinião pública, criticando muitas vezes políticas e religiões a partir de guinadas ideológicas que se querem impor à ordem social, comprometendo assim a própria imparcialidade que deveria nortear os órgãos de imprensa. A opinião publicada deixa então de representar a opinião pública, impondo-se como uma maioria inexistente, absolutizada em nome das ditas minorias, defendendo-se com unhas e dentes interesses de alguns ideólogos e ideologias. Muitos órgãos de imprensa transformaram-se em panfletos políticos e ideológicos, onde a liberdade de informar degenerou em aproveitamento para doutrinar, influenciar políticas e determinar aceitações sociais.
Onde encontrar, por exemplo, artigos favoráveis à vida, desde a concepção até à morte natural? Não se encontram quase nos grandes órgãos artigos de opinião religiosa, a não ser dos escândalos. Os trabalhos sociais da Igreja ou das Instituições de Solidariedade Social são ignorados, mas os demagogos que falam muito, mas nada fazem pelos pobres, são sempre privilegiados. Alguns políticos não podem tossir que já têm um microfone diante deles, outros são ignorados. A liberdade de pensamento deveria dar espaço à liberdade para pensar, onde uma opinião poderá aparecer, mas não prevalecer, num justo equilíbrio de fatores e de vozes que representem as várias tendências e realidades de modo a representar dignamente todo o tecido social. Senão, corre-se sérios riscos de comprometer a edificação de um mundo plural, mais justo e fraterno, caso continuemos numa imposição unilateral das mesmas ideologias nos diferentes órgãos de imprensa, digladiando-se opiniões e esgrimindo-se argumentos, com parcialidade e sem parcimónia. O politicamente correto de alguns, que não representa o de muitos, mas que é imposto como se fosse de todos. O próprio porvir de atitudes radicais ou extremistas na sociedade, devem muito à exposição prolongada de certas posturas e ideologias que a imprensa teima em adotar e repetir. Os populismos e as extremas ganham importância na medida em que a imprensa lhes dá espaço e razão.
No campo das notícias impactantes, não há dúvida que os escândalos ocupam grande parte daquela insaciabilidade característica do sensacionalismo jornalístico, onde a própria Igreja ocupa tão pouco espaço, a não ser quando um dos seus membros se porta mal, mesmo se uma maioria continua a ser digna e modelar. Ainda que a voz e a opinião da Igreja seja a de muitos na sociedade, silenciam-na, tendo ela de recorrer aos seus próprios órgãos de comunicação. Muitas vezes, ao publicar a opinião de um eclesiástico, a imprensa dita imparcial dá visibilidade somente ao parcial do contra, que nem representa a Igreja no seu pensamento e na sua doutrina, mas que se aproveita da visibilidade dada à novidade e à irreverência de um profeta, sem Espírito; religioso sem Religião; opinião sem representação. Antigamente, o Patriarca e os bispos ainda tinham colunas nos principais jornais. Hoje, esse espaço está reservado a um ou outro escandaloso que só se intitula padre para esculambar a fé e a doutrina. Isto é francamente prejudicial à verdade, e condiciona a liberdade de pensamento, quando um só coíbe e falseia o que pensa a maioria, e sobretudo a Instituição. O resultado é negativo para todos, e compromete a verdade. E então, a opinião pública deixa de estar representada na opinião publicada.
P. José Victorino de Andrade
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[1] In the trail of these abuses comes an insolent tyranny which has no parallel in our democracy. The church respects the conscience of the individual; the law respects the rights of the individual, the newspaper respects nothing (GILMAN, Charlotte Perkins. Social ethics: sociology and the future of society. London: Praeger, 2004. p. 108. Tradução minha).