Qualquer ser humano, num país livre, poderá expressar-se acerca dos temas que mais o preocupam ou agradam, sem condicionantes, dentro do respeito pela diversidade e pela liberdade de opinião. Também um religioso, como membro da sociedade, poderá ter a sua preferência por determinado tema desportivo, social e político, e como cidadão tem direito a um número de eleitor e acesso à mesa de voto, pelo menos em democracia. Uma vez que o sufrágio universal não o exclui, ele não só poderá ter as suas opções políticas, como tem responsabilidade na escolha dos poderes públicos que acabam, de uma forma ou de outra, por repercutir dentro das instituições eclesiásticas e nas valências sociais de inspiração e pertença cristãs. Entretanto, a liberdade de expressar-se sobre as suas opções políticas num ambiente de café, ou na praça pública, não significa impô-las do púlpito, e esse é um cuidado permanente a fim de não se misturar o evento soteriológico e a mensagem do Reino com utopias e cores partidárias. “O reino de Jesus não pode ser identificado com alguma estrutura política […]. A fusão entre a fé e o poder político, de fato, tem sempre um preço: a fé coloca-se ao serviço do poder e deve submeter-se aos seus critérios”.[1] O fato de não se dever imiscuir a religião com a política, não tira ao sacerdote a responsabilidade de, atento aos sinais dos tempos, munido das Escrituras, orientado pelo Magistério, nortear e incentivar o rebanho, pelo qual possui responsabilidades, à participação e responsabilidade pública. Para tal, ele tem um instrumento válido e valioso, que não pertence a nenhum âmbito de uma qualquer ideologia política: a Doutrina Social da Igreja.
“Os Papas, e o colégio episcopal em união com eles, sobretudo nestes últimos dois séculos, têm proposto e aplicado os ensinamentos da moral nos seus múltiplos âmbitos, sempre em nome e com a autoridade a eles confiada por Jesus Cristo. Estes ensinamentos, inspirados pelo Espírito Santo, envolvem também questões relativas à vida social, ou mesmo à economia e à política, nunca deixando de inspirar à verdade. O Magistério intervém assim para exortar as consciências e propor valores”.[2] Atento aos ensinamentos e às orientações da Igreja, um sacerdote deve ter uma voz profética no meio da sociedade, fazendo uso dessa ferramenta do Magistério que deve conhecer e saber utilizar nos momentos e nas formas apropriadas. Condenar simplesmente um sacerdote porque ele falou de questões políticas é muitas vezes o falso julgamento de quem desconhece o conteúdo de dezenas de pronunciamentos e documentos da Igreja em matéria de Doutrina Social e que abordam e aprofundam as mais variadas questões sociopolíticas. Na verdade, a intervenção pública da Igreja em matéria política não é feita por gosto, interesse, ou partidarismo, mas é um direito e um dever, sobretudo quando estão em questão matérias éticas e princípios fundamentais que afetam a dignidade da pessoa humana e a liberdade religiosa. Porque há valores e princípios pré e suprapolíticos que estão intrinsecamente ligados ao cristianismo e que devem ser valorizados e defendidos numa sociedade pós-moderna que não pode simplesmente prescindir das raízes que a geraram e sustentam.
Os fiéis leigos necessitam de uma sólida formação e conhecer a Doutrina Social da Igreja, deixando-se guiar por ela a fim de obrar pela justiça social, pela defesa da vida e da família e pela liberdade religiosa e educacional das futuras gerações. Ora, essa formação requer clérigos entendidos e comprometidos na edificação de uma sadia laicidade e na participação pública dos fiéis. Os leigos não podem ficar abandonados, sem uma orientação segura que os apoie. Esse é um dos pontos pelos quais um dos principais líderes italianos da Ação Católica, Lazzati, achava que a Igreja se atrasava, fazendo para tal um apelo à formação daqueles “pelos quais os fiéis leigos têm o direito a ser educados, isto é, os presbíteros. É necessário, de facto, falar da laicidade nos seminários, onde pouco se fala, porque dali partirão aqueles que à laicidade deverão educar”.[3] De fato, os presbíteros têm uma influência enorme entre o povo que lhe está confiado. No exercício do seu ministério não lhes compete falar da política em si, sobretudo de partidos políticos, mas deverão contribuir para a formação de bons cidadãos e fornecerem critérios orientadores para os fiéis. Ou seja, formar consciências retas, capazes de agir cristãmente no mundo. A Gaudium et Spes explica que compete aos bispos e aos sacerdotes a pregação e o ensino para que os fiéis, de consciência bem formada, possam agir nas suas atividades temporais iluminados pelo Evangelho e influenciar positivamente na salutar moral a ser impressa na sociedade, imbuindo “o mundo com o espírito cristão” (AAS 58 [1966], p. 1063).[4][5]
P. José Victorino de Andrade
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[1] “La lotta per la libertà della Chiesa, la lotta perché il regno di Gesù non può essere identificato con alcuna struttura politica, deve essere condotta in tutti i secoli. La fusione tra fede e potere politico, infatti, ha sempre un prezzo: la fede si mette al servizio del potere e deve piegarsi ai suoi criteri”. (BENEDETTO XVI. Gesù di Nazaret. 4a. ed. Milano: Rizzoli, 2007. p. 63. Tradução minha).
[2] VICTORINO DE ANDRADE, José. Aportes da Igreja para um autêntico Progresso. Medellín: UPB, 2009. p. 73.
[3] “[…] uno dei primi interventi dovrebbe essere fatto su coloro dai quali i fedeli laici hanno il diritto di essere educati, cioè dai presbiteri. È necessario, infatti, parlare della laicità nei seminari, dove poco se ne parla, perché da lì partiranno coloro che alla laicità dovrebbero educare” LAZZATI, Giuseppe. Chiesa, cittadinanza e laicità. Milano: In Dialogo, 2004. p. 48 (Tradução minha).
[4] “Laici vero, qui in tota vita Ecclesiae actuosas partes gerendas habent, non solum’ mundum spiritu christiano imbuere tenentur, sed etiam ad hoc vocantur ut in omnibus, in media quidem humana consortione, Christi sint testes” (n. 43. Tradução minha).
[5] Algumas ideias deste parágrafo em: VICTORINO DE ANDRADE, José. Aportes da Igreja à Construção de uma Sã Laicidade. Medellín: UPB, 2013.
Como gosto de todo o ensinamento que partilha no Facebook Sr padre José Andrade. Que Deus o abençoe muito. Agradecida. Há dois dias estive em Fátima, e gostei também muito da missa presidida por si, na Capelinha das Aparições a seguir ao terço do Rosário. Obrigada Padre.🙏
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