Um padre pode ensinar doutrinas diferentes e contrárias às que ensina a Igreja?

Pulpito TurckheimPara ser fiel ao ministério recebido, o clérigo não pode descurar a formação permanente de modo a enfrentar os desafios colocados pela modernidade e pela Nova Evangelização, além das necessidades formativas do Povo de Deus. O rito de ordenação pede-lhe que continue a amadurecer os seus conhecimentos, e para tal deverá persistir na leitura e meditação da Sagrada Escritura, além dos Padres e Doutores e outros documentos da Tradição, do Magistério, sobretudo dos Concílios e dos Pontífices, assim como “os melhores e mais aprovados escritores de teologia” (Prebyterorum Ordinis 19). Ele deverá dar um testemunho oficial da fé da Igreja, sem “disfarçar, reduzir, distorcer ou diluir o conteúdo da mensagem divina” pois, “a sua missão ‘não é de ensinar uma sabedoria própria, mas sim de ensinar a palavra de Deus e de convidar insistentemente a todos à conversão e à santidade’”.[1] Isto não significa que um sacerdote não possa ter uma opinião pessoal quanto a certas questões (não verdades da fé), que poderão ser apresentadas e apreciadas no mundo acadêmico, ou partilhadas de preferência com quem tem critérios para ponderar a ortodoxia do seu pensamento e discernir tratar-se de uma opinião pessoal e não do pensamento da Igreja. Mas jamais poderá destoar da sã doutrina no seu múnus docente, seja no sermão, na faculdade ou no colégio, na confissão ou na missão, na televisão, no jornal ou na rádio, talvez até nas redes sociais…onde quer se apresente como ministro da Igreja, ele representa a Instituição, e como tal, não deve deturpar aquilo que a Esposa Mística de Cristo ensina.

            Ao receber os ministérios de leitor e de acólito, antes da ordenação diaconal e presbiteral ou episcopal, os clérigos fazem o Juramento de Fidelidade e a Profissão de Fé com a mão sobre as Escrituras. O texto é belo, claro e marcante demais para ser esquecido no desempenho das suas funções. Ademais, será repetido em vários momentos do percurso vocacional e ministerial. Eis uma parte dos textos apresentados pelos rituais e pelo Código de Direito Canónico, sublinhados por mim a fim de destacar alguns trechos importantes para este artigo:

Juramento de Fidelidade

Eu N. ( … ), ao assumir o ofício de … prometo conservar-me sempre em comunhão com a Igreja Católica, tanto por palavras como pela minha maneira de proceder.

[…]

No exercício do meu cargo, que me foi confiado em nome da Igreja, conservarei intacto, transmitirei e explicarei fielmente o depósito da fé, evitando todas as doutrinas que lhe são contrárias.

Acatarei a disciplina comum de toda a Igreja e favorecerei a observância de todas as leis eclesiásticas, especialmente as contidas no Código de Direito Canónico.

[…]

Profissão de Fé

[Depois da oração do Credo e da adesão firme a todas as verdades aí contidas, continua]:

Creio também firmemente tudo o que está contido na palavra de Deus, escrita ou transmitida pela tradição, e é proposto pela Igreja, de forma solene ou pelo Magistério ordinário e universal, para ser acreditado como divinamente revelado.

De igual modo aceito firmemente e guardo tudo o que, acerca da doutrina da fé e dos costumes, é proposto de modo definitivo pela mesma Igreja.

Adiro ainda, com religioso obséquio da vontade e da inteligência, aos ensinamentos que o Romano Pontífice ou o Colégio Episcopal propõem quando exercem o Magistério autêntico, ainda que não entendam proclamá-los com um acto definitivo.

Conheça os documentos completos aqui.

Esta profissão de fé deverá ainda ser realizada perante a legítima autoridade, de acordo com o Direito Canónico, por todos aqueles que iniciam qualquer cargo no Seminário: “o reitor, professores de teologia e filosofia” e também “os docentes que ensinam disciplinas relacionadas com a fé e a moral em quaisquer universidades” (C. 833).  Tal como o esposo é infiel à esposa e peca cada vez que quebra a aliança que prometeu diante de Deus e dos homens, também o ministro ordenado ou aquele que se dedica ao ensino filosófico e teológico nas instituições da Igreja é responsável, com grave risco de pecar gravemente, cada vez que rompe com o juramento e a profissão de fé realizados perante testemunhas, junto ao altar, com as mãos sobre a Bíblia e a assinatura de cada um dos documentos proclamados em voz alta. Não se trata de um mero rompimento de qualquer contrato, conforme explica o Código de Direito Canónico: “Quem jura livremente haver de fazer qualquer coisa, tem obrigação peculiar de religião de cumprir aquilo que confirmou com juramento” (C. 1200§1). O erro voluntário relativo a qualquer verdade de Fé, manifestado publicamente, e consequentemente acompanhado de escândalo, é um pecado grave que não admite parvidade de matéria, segundo os moralistas, e sujeito a pena canónica que pode chegar à excomunhão, segundo os canonistas.[2] Da mesma forma que seria seríssimo agredirmos alguém a ponto de lhe desfigurarmos o rosto, revestindo-se o ato de particular gravidade caso fosse a nossa mãe, com idêntico cuidado devemos agir e pregar de modo a não desfigurar a nossa Santa e Madre Igreja. O mesmo Código de Direito Canónico a quem os clérigos juraram observância manda que estes “sigam a doutrina sólida, fundada na sagrada Escritura, transmitida pelos antepassados e comummente recebida pela Igreja, como é apresentada sobretudo nos documentos dos Concílios e dos Pontífices Romanos, evitando profanas novidades de palavras e falsa ciência” (C. 279§1). É, além de uma questão de prudência, a obediência e a docilidade à autoridade da Igreja e ao seu Esposo (Mc 2, 19), Aquele cujas palavras não passarão (Mt 24, 35).

Ao agir in persona Christi (na pessoa de Cristo), e no seu munus docendi, o sacerdote deve ter uma especial atenção ao transmitir a Palavra de Deus a fim de tornar-se uma testemunha autêntica da Verdade que é Cristo (Jo 14, 6), e guiar este mundo no meio de tantas confusões, de temerárias e irreverentes falsidades. É responsável por evitar ideias e doutrinas de acordo com os seus gostos e preferências, ou deixar-se influenciar pela leitura de qualquer autor mais ou menos heterodoxo. Conforme alertou o Papa Bento XVI numa das suas catequeses, a 14 de abril de 2010, “o sacerdote não ensina ideias próprias, uma filosofia que ele mesmo inventou, encontrou ou da qual gosta; o sacerdote não fala a partir de si mesmo, não fala por si mesmo, talvez para criar admiradores ou um partido próprio; não diz coisas próprias, invenções próprias, mas, na confusão de todas as ideologias, o sacerdote ensina em nome de Cristo presente, propõe a verdade, que é o próprio Cristo, a sua Palavra, o seu modo de viver e ir adiante. […] Cristo não propõe ele mesmo, mas, como Filho, é a voz, a Palavra do Pai. Também o sacerdote deve dizer sempre e agir assim: ‘a doutrina não é minha, não propago as minhas ideias ou aquilo de que eu gosto, mas sou a boca e o coração de Cristo’”.[3]

P. José Victorino de Andrade

________________________

[1] CONGREGAÇÃO PARA O CLERO. Directório para o ministério e a vida dos presbíteros. Roma: Editrice Vaticana. n. 45.

[2] Cf. ROYO MARIN, Antonio. Teologia Moral para Seglares. 7 ed (2° impressão). Vol. I. Madrid: BAC, 2007. p. 296-299.

[3] Extraído e adaptado da tradução de Aline Banchieri para https://pt.zenit.org/articles/catequese-do-papa-sacerdote-e-a-voz-de-cristo/

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