“Crescei e multiplicai-vos!” (Gn 1, 22. 28). O livro do Génesis repete o mesmo mandato de Deus, tanto aos seres racionais quanto aos irracionais. O Criador colocou assim na ordem da natureza a necessidade (e responsabilidade no caso dos homens e mulheres, providos de intelecto) de gerar novos seres de modo a povoar a terra e perpetuar a espécie. Para tal, ele dotou os animais racionais e irracionais de certo instinto e até satisfação na união de um casal de distinto sexo, capaz de conceber um novo ser. Tal como à nutrição, Deus anexou uma legítima fruição à união, para a multiplicação e permanência da espécie na terra. O Homem goza do livre arbítrio, e é capaz de fazer as suas escolhas, boas ou más, mas os outros animais não têm essa capacidade, pois não gozam da mesma liberdade aqueles que estão presos aos instintos e à ordem das coisas, ficando condicionados à sua própria natureza. Por isso, um bicho que se isole e não procrie, está provavelmente velho ou doente, e terá certamente os seus dias contados. Já o ser humano poderá colocar, uma vez dotado de liberdade e possibilidade de escolha, outras prioridades à frente da procriação, pois um alto ideal que poderá ir da defesa da pátria à entrega a uma causa humanitária ou espiritual, entre outras nobres tarefas, poderão levá-lo àquela excelência que levou tanto Jesus, quanto São Paulo a reconhecer no celibato não só uma concreta necessidade, mas também felicidade (Mt 19, 12; 1 Cor 7, 7-8. 25-40).
Entretanto, quando não for por uma restrição imposta quer por uma questão de ordem espiritual ou social verdadeiramente importante e nobre, quer mesmo por uma questão natural, pois há aqueles que por incapacidade não podem unir-se ao outro sexo, dada alguma deficiência física ou psiquiátrica (o próprio Senhor lembra isso em Mt 19, 12), ao Homem cabe sempre a responsabilidade e a missão dada por Deus de procriar com responsabilidade generosa, conforme lembra a Gaudium et Spes que para tal dedica todo um capítulo à família e ao matrimónio (Cap. I). Lembra entretanto o documento que a união carnal não pode constituir um fim último na vida da pessoa, tal como propugnou Freud, ou como vivem muitos alucinados e alienados sob a tirania da libido, mas “que a vida humana e a missão de a transmitir não se limitam a este mundo, nem podem ser medidas ou compreendidas unicamente em função dele, mas que estão sempre relacionadas com o eterno destino do homem” (GS 51). O que certamente não é natural, porque não está na ordem com que Deus fez as coisas, e contraria os próprios instintos e a necessidade da propagação da espécie, é um certo encerramento à vida, de quem vê a união carnal pela satisfação, prescindindo da geração. Trata-se de um terrível hedonismo[1] que coloca o prazer como um bem supremo na vida, sem aceitar as consequências que pode acarretar semelhante atitude, pessoais e sociais. É a irresponsabilidade de quem parece não querer crescer para permanecer escravo dos seus próprios caprichos.
Semelhante mentalidade tão presente no mundo de hoje teria de criar os seus sofismas, filosofias pensadas como mera justificação dos erros, e nesse campo montou-se uma ética utilitarista[2] que não olha os meios, ainda que imorais ou mesmo mortais, para viver encerrado em sentimentos, e não de relacionamentos, no inconsequente hedonismo e não num coerente humanismo. Mata-se uma criança no ventre materno, pois o fim natural do relacionamento entre um homem e uma mulher, que é frutuoso, é substituído pelo mero e egoístico prazer. Destrói-se se necessário o indesejado concebido, uma revolta contra a própria natureza e razão de ser das coisas, porque ela impede o caprichoso e tirânico gozo desprovido de responsabilidades. No conceito utilitarista, se alguém gerar uma criança, ou uma enfermidade, indesejadas, que acarretem consigo sofrimentos, não se olham então aos meios, e a pena de morte aos inocentes torna-se a politicamente correta e legal condenação. Eis a introdução do aborto e da eutanásia nas nossas sociedades. Passou a valer tudo para ser feliz, até matar. Será tal a revolta do ser humano contra aquilo que está na sua própria natureza?
Quando nos deparamos com os números oficiais de abortos da nossa vizinha Espanha terem ultrapassado a faixa de um milhão e Portugal estar a caminho, dentro de poucos anos, dos 500 mil, desde a legalização, temos de pensar muito bem se este modelo de vida não é altamente destrutivo. Nem as maiores guerras da Península Ibérica tiveram uma semelhante mortandade em menos de 10 anos. O número de pequenos inocentes abortados nestes dois países na ponta da Europa constituí hoje um número que formaria uma cidade inteira de grandes proporções, maior que Lisboa. Dentro das ideologias radicais que se alimentam de sofismas e utopias que apoia este morticínio está o feminismo radical. Fiz talvez uma longa introdução, para chegar onde eu queria. Mas as longas introduções permitem as rápidas conclusões. Preocupa-me certa mentalidade de uma individua ligada a políticas extremistas em Portugal, infelizmente com influência no governo da nação, dizer na televisão que já lá vai o tempo em que ser mulher era ser mãe. Que isso esteja ultrapassado, antes da ciência passar a fabricar seres humanos em fábricas neonatais e esterilizar toda a humanidade para fazer sexo sem a barriga da mulher crescer, nem elas terem de ser mães… parece-me uma observação precoce e demasiado perigosa, até para a continuidade da nossa espécie, embora haja realmente quem queira diminui-la porque acha que andamos a poluir demasiado o ambiente ou por outras utopias ideológicas extremamente temerárias e eugenistas. Mas o feminismo que quer exaltar a mulher, não percebe que se há algo em que elas sem dúvida podem destacar-se dos homens e serem muitos melhores, é na capacidade de serem mães? Trata-se de um feminismo raso aquele que procura simplesmente fazer os trabalhos que os homens fazem e receber iguais ordenados. Para quê serem iguais quando uma coisa distingue as mulheres, e nisso elas podem ser melhores? Só elas podem ser mães… Mãe é mãe, e quem tem uma mãe, percebe que está tudo dito! O pai nunca substituiu nem substituirá aquilo que é uma mãe, nem um computador, e muito menos uma ideologia…
No Antigo Testamento, não ser mãe, era sinal de maldição e de castigo. Hoje, pode ser sinal de contracetivo e um ou outro abortivo. No início da nossa era, Isabel, também ela à espera de um filho, proclamou cheia do Espírito Santo: “Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre” (Lc 1, 42). Nenhuma outra criatura humana foi tão elevada, nenhuma outra foi “cheia de graça” (Lc 1, 28), “nenhuma outra é Imaculada, nem a nenhuma outra foi confiado um papel tão importante na história da salvação. Por isso, a Nossa Senhora, na Igreja, concede-se o culto de hiperdulia, isto é, a especial veneração que só se deve a Maria, um culto que não se presta a nenhum outro ser criado. Ao Deus criador, uno e trino, e só a Ele, deve-se o culto de latria, isto é, de adoração. Deus, Ser espiritual, a quem a Escritura chama de Pai, mas cujo amor é até comparado ao de uma mãe (Is 49, 14-15)”.[3] Maria, Mãe de Deus, Mãe de todos os homens, abriu-se à fecundidade redentora, aceitou a maternidade divina e a responsabilidade da imensidão dos filhos. Tornou-se por isso mesmo um exemplo para toda a humanidade, que não vive nem subsiste sem a maternidade.
P. José Victorino de Andrade
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[1] Quanto ao hedonismo, escrevi já um artigo: https://aportesdaigreja.com/2017/06/24/o-hedonismo-sofredor-e-a-caridosa-felicidade/
[2] Quanto à filosofia utilitarista, ver outros artigos aqui:
https://aportesdaigreja.com/2017/07/27/a-primazia-esta-no-ser-e-nao-no-ser-util/
https://aportesdaigreja.com/2017/07/19/sera-o-homem-descartavel-incoerencias/
[3] Este trecho, sobre o culto a Maria e a exaltação Dela entre as criaturas, está num outro artigo, onde desenvolvo a questão do papel da mulher na Igreja: https://aportesdaigreja.com/2018/06/29/para-a-mulher-ser-exemplo-e-exaltada-ela-nao-precisa-estar-no-templo-ordenada/