A unção dos enfermos e os supersticiosos desesperos

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Um padre foi certa vez a uma residência, a pedido de uma família, administrar a unção dos enfermos a uma doente. Ao chegar à casa foi conduzido a uma sala e pediram-lhe para esperar um pouco. Passou bastante tempo, e o sacerdote pensava que estavam em procedimentos ou na higiene da paciente. Mas as horas passavam, e pediam-lhe para ter paciência e aguardar. Quando finalmente foram chamá-lo, entrou, e a senhora já havia falecido. Olhando perplexo para os familiares, disseram-lhe: coitadinha, não a queríamos assustar e quisemos que ela morresse primeiro antes de receber o padre… Esta história é verídica, infelizmente não é uma anedota, e reflete o estado de espírito de muitos que pensam ser o ministro uma espécie de corvo que vai levar a morte ao paciente, um filme de terror onde um pré-coveiro vai fazer uma mezinha antes de se levar o corpo ao enterro. Uma estúpida superstição. Em primeiro lugar porque a unção não é o último sacramento a ser ministrado antes da morte. Um bom número de cristãos ignora o viático, uma das razões, senão a principal, de guardar-se as sagradas partículas no sacrário, não bastando ficar uma hóstia consagrada para a adoração dos fiéis, quando a qualquer momento do dia ou da noite pode ter de ser levada a eucaristia a um enfermo. A comunhão, chamada nesse caso de viático, é o último sacramento antes da morte. Como prometeu Jesus: “quem comer da minha carne e beber do meu sangue terá a vida eterna e Eu hei-de ressuscitá-lo no último dia” (Jo 6, 54). Pensar que a unção que o padre vai administrar aos doentes no hospital, em casa ou na igreja é para levar a pessoa à morte constitui hoje uma histeria generalizada que pouco ou nada tem a ver com a realidade.

A Igreja considera a unção dos enfermos um verdadeiro sacramento instituído por Nosso Senhor Jesus Cristo (tal como os demais), que tem origem no mandato: “Curai os enfermos” (Mt 10, 8) e a sua práxis relatada desde o tempo em que os discípulos foram enviados a pregar o arrependimento, e nessa ocasião “ungiam com óleo numerosos doentes, e curavam-nos (Mc 6, 12-13). Na sua carta, o apóstolo São Tiago promulga o sacramento e recomenda: “Algum de vós está doente? Chame os presbíteros da Igreja, para que orem sobre ele, ungindo-o com óleo em nome do Senhor. A oração da fé salvará o doente e o Senhor o aliviará. E se tiver cometido pecados, ser-lhe-ão perdoados” (Tg 5, 14-15). A Igreja dos Apóstolos conhecia este rito e a Tradição da Igreja reconheceu nele um dos sete sacramentos, “especialmente destinado a reconfortar os que se encontram sob a provação da doença” (CEC 1510-1511). Segundo o Catecismo, pode receber a Unção dos Enfermos o fiel que chegou ao uso da consciência, batizado, que estiver em grave enfermidade, ou “antes duma operação cirúrgica importante. E o mesmo se diga a respeito das pessoas de idade, cuja fragilidade se acentua” (CEC 1515). Também o doente que melhora e depois recai ou piora o seu estado de saúde pode receber novamente a Unção (Loc.cit.). É habitual renovar este sacramento anualmente aos anciãos, que com o passar da idade e a proximidade da eternidade começam a sentir o peso do tempo que foge irreparavelmente. Quanto aos efeitos do Sacramento, são os seguintes:[1]

– Produz ou aumenta a graça santificante na alma do que o recebe nas devidas condições;

– Aumenta a união do doente à paixão de Cristo, para o seu bem e de toda a Igreja;

– Conforta e fortalece a alma relativamente à debilidade devida aos pecados cometidos durante a vida, as chamadas “relíquias do pecado”;

– Anima e conforta o enfermo a fim de suportar com maior facilidade os incómodos e trabalhos da enfermidade ou da ancianidade, e a resistir melhor às tentações;

– Diminui o reato da pena temporal;

– Se não existem condições para a confissão, a unção também perdoa os pecados, ainda que mortais;

– Devolve a saúde do corpo, se tal for conveniente para o bem espiritual e para a salvação;

– Prepara e dispõe a alma para a vida eterna.

De acordo com o Código de Direito Canónico é dever e direito do cura de almas administrar a unção dos enfermos aos fiéis que necessitarem e legitimamente pedirem, ou qualquer sacerdote sempre que presuma o consentimento (C. 1003 §2), e para tal a Igreja permite aos presbíteros “trazer consigo o óleo benzido, para, em caso de necessidade, poderem administrar o sacramento da unção dos doentes” (C. 1003 §3). Como sacerdote, carrego sempre comigo uma teca pequena com o óleo dos enfermos, e testemunho que já tive de fazer muitas unções de urgência, quer por motivo de acidentes e tragédias ou um telefonema para ir a um hospital urgentemente, ou simplesmente abordado por paroquianos na rua. Até uma missa tive de interromper, pois uma pessoa muito idosa tombou na assembleia e começou nos últimos estertores… Conto largas dezenas de unções administradas graças a trazer sempre comigo o pequeno recipiente de prata com o óleo dos enfermos, e ainda que fosse por ter salvo uma só alma, seria muito feliz por portá-lo toda a minha vida. Entretanto, noto que essa prática, antes tão comum, perdeu-se entre muitos irmãos no ministério, infelizmente. Todavia, não é dever somente do sacerdote prover que os doentes “sejam confortados em tempo oportuno com este sacramento”, mas também dos seus parentes (C. 1001). Trata-se de uma obrigação moral grave, e constituiria um grande abuso prejudicar gravemente o doente e atrasar ou negligenciar a unção, “uma vez que se priva ao enfermo os poderosos auxílios que leva consigo o sacramento e talvez o remédio oportuno para recuperar a saúde corporal”.[2] Seria abster a pessoa de uma possível última oportunidade para recobrar a saúde da alma e até mesmo do corpo ou até mesmo privá-la da salvação eterna. De acordo com Royo Marín, a Igreja considera um erro funestíssimo, e um pecado grave aqueles que “impedem que o enfermo receba a unção dos enfermos – ainda que seja pelo estúpido pretexto de não assustar – ou não deixam sequer que seja administrada no momento em que o doente está privado dos sentidos. Grandes contas terão de prestar diante de Deus por este nefando crime”.[3]

P. José Victorino de Andrade

____________________

[1] Tópicos realizados a partir do Catecismo da Igreja Católica (CEC 1532) e também de ROYO MARÍN, Antonio. Teologia Moral: Los Sacramentos. Vol. II. Madrid: BAC, 5a ed, 1994. p. 507-511.

[2] ROYO MARÍN, Antonio. Teologia Moral: Los Sacramentos. Vol. II. Madrid: BAC, 5a ed, 1994. p. 518.

[3] Loc. cit.

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