O hedonismo sofredor e a caridosa felicidade

Sócrates falava da eudaimonia, referindo-se ao homem que procura a felicidade como um princípio de vida. Na verdade, estamos sempre à procura dela. É muito raro, ou praticamente inexistente, aquele que não deseja ser feliz, ou que não quer ver o salutar sentimento de alegria estampada no rosto daqueles que o rodeiam. Porém, ser verdadeiramente feliz, não significa a permanente ausência de dificuldades nesta vida, mas conviver com elas, superá-las, deixar-se purificar e vencer pelo constante apelo à conversão.

Imagine qual destas duas personagens poderiam ser objeto de maior admiração e curiosidade: Um marinheiro que passou por tempestades e tormentas, com o rosto marcado pela aventura e pelas dificuldades que enfrentou… ou um barqueiro de água doce que rema em águas mansas e adormece embalado… A vida passa pelas dificuldades do nosso marinheiro, e há que remar contra a maré, contra o vento e as tempestades, que são os sofrimentos da vida. Entretanto, a mentalidade hedonista do homem contemporâneo, tende mais a identificar-se com o segundo elemento, o barqueiro… cuja vida mansa não quer ser interrompida por nada que quebre as delícias e os prazeres, em que até mesmo remar um pouco, custa muito.

Entretanto, até a fuga ao infortúnio provoca um fenômeno adverso e incontornável. Pergunte-se, a quem tem mais experiência na vida, se nunca passou por uma doença, infelicidade, problemas… mesmo sem ir atrás deles. Mais do que procurar os sofrimentos, S. Pio de Pietrelcina ensinava que devíamos aceitá-los com resignação e piedade cristãs. Uma vez que o homem se depara diante deles, não se tornam vãos, e têm a capacidade de tornar as pessoas mais maduras, e por vezes até mesmo mais felizes.  A patente alegria quando uma dor passou, é maior do que quando permanecemos sem o quadro doloroso; uma enfermidade debelada, acarreta uma satisfação acrescida. O desafio ultrapassado, maior júbilo. O que significa que a dificuldade passageira poderá ser uma ponte para um estado de felicidade maior do que a estabilidade permitiria. E assim é o Céu, onde todas as lágrimas serão enxugadas (Ap 21, 4).

Afinal, a dor e o sofrimento também parecem ser necessários a fim de que se manifestem alguns dos sentimentos mais elevados do ser humano, tais como o amor e a alteridade. Por exemplo, a atenção que é devotada a alguém quando está doente ou a sofrer. Fisicamente, a pessoa pode não estar bem, mas é sensível ao fato de que o carinho e a atenção a ela aumentaram. Por outro lado, o nosso amor pelos outros também dilata, quando vemos que estão necessitados ou com sofrimentos. E a solidariedade torna-se realidade, ou melhor, caridade, diante da perspetiva de todos aqueles pequeninos, aos quais Jesus devota o seu pedido de atenção (Mt 25, 40), fazendo-se além de servo, sofredor com eles (cf. Isaías 53).

Pe. José Victorino de Andrade

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