O Bem absoluto continuamente chama e atrai a si todos os homens, convida-os a tudo fazer em Cristo, de modo a corresponderem à sua altíssima vocação, e n’Ele preencherem os anseios do coração. Para este encontro com Cristo, Deus quis a sua Igreja.[1] Partindo deste princípio, não podemos deixar de olhar para Cristo, sem a esperança de novas possibilidades e construções engenhosas, que permitam desenvolvimentos concretos nos mais variados âmbitos, e nesta perspetiva, construções e realizações positivas. Mas aqueles olhos que pedem para ver Jesus (cf. Jo 12, 21), pareceram baixar o olhar, e começaram a valorizar mais as criaturas não como um meio, mas como o próprio fim. E o pior foi quando os meios para satisfazer a tirania dos fins tornaram-se humanos. Consequentemente, surge uma ética utilitarista que deixou de considerar o próximo pela sua dignidade, dando primazia à utilidade.[2]
Certa reação a esta ordem (ou desordem) das coisas levanta hoje uma questão há muito anunciada pelo Cristianismo: no relacionamento humano, o homem nunca poderá consistir um meio para o outro homem, algo que se usa, mas deve ser considerado como um fim,[3] não o fim último que é o próprio Deus, que deve animar e continuamente purificar esse relacionamento, enquanto raiz e principio, mas um fim enquanto uma atitude verdadeiramente altruísta, de procura do bem comum, proporcionando felicidade para ser feliz, pois “a felicidade está mais em dar do que em receber” (At 20, 35). Neste sentido, cabe pensar não só naqueles com quem convivemos neste mundo, participes da mesma natureza, como naqueles que futuramente ocuparão este espaço destinado aos homens por um ato da bondade criadora. E os mandamentos aparecem exatamente como um bem, condição para a relação com Deus, e base para o amor ao próximo.[4]
Na Encíclica Laudato Si o Papa Francisco lembra que devemos considerar a ordem dos seres criados por aquilo que eles são, fruto da bondade de um Deus criador, único dono e Senhor, e não pela sua utilidade, para assim não ceder à tentação de espezinhá-los subjugados a interesses (nros. 69; 75; 89-90). E assim deve ser com o homem, pois o Pontífice lembra ainda que “não pode ser autêntico um sentimento de união íntima com os outros seres da natureza, se ao mesmo tempo não houver no coração ternura, compaixão e preocupação pelos seres humanos” (n.91). Os Papas, e o colégio episcopal em união com eles, sobretudo nestes últimos dois séculos, têm proposto e aplicado os ensinamentos da moral nos seus múltiplos âmbitos, sempre em nome e com a autoridade a eles confiada por Jesus Cristo. Estes ensinamentos, inspirados pelo Espírito Santo, nunca deixaram de exortar à verdade. O Magistério intervém assim para exortar as consciências e propor valores.[5]
Pe. José Victorino de Andrade
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[1] Cf. JOÃO PAULO II. Veritatis Splendor: Carta Encíclica, 6 ago. 1993. n. 7.
[2][2] Quanto ao utilitarismo ver outros artigos neste site, carregando na palavra que aparece na nuvem de tags situada na coluna direita ou procurando a palavra no motor de busca interno.
[3] Ver estudos de ética não utilitarista ou consequencialista que defendem esta tese como os apresentados por: CHALMETA, Gabriel. Ética Social: Familia, profesión y ciudadanía. 2. ed. Pamplona:o utilitaristas ou consequencialistasabrielocura do bem comum, proporcionar felicidade para ser feliz, EUNSA, 2003. Sobretudo as páginas 30-31; 42 e o capítulo V em geral que aborda a questão da amizade. Também em RHONHEIMER, Martin. La Perspectiva de la Moral: Fundamentos de la Ética Filosófica. Madrid: Rialp, 2000. p. 109-115.
[4] Cf. JOÃO PAULO II. Veritatis Splendor: Carta Encíclica, 6 ago. 1993. n. 13.
[5] Podem-se encontrar estas ideias sobretudo no nº 4 da Veritatis Splendor do Papa João Paulo II (1993).