Por vezes, quem fala muito, diz pouco. A capacidade de síntese e de manter um discurso inteligente e elevado pertence a um pequeno número, sobretudo quando se parte de um peculiar domínio pela questão, de um assunto interessante e da experiência pessoal / profissional. Ora, se há uma questão que é de particular e emergente interesse dos portugueses, sobretudo pelos debates mediáticos onde muito se fala, mas pouco se tem dito, e cuja matéria pertence à ignorância de boa parte da sociedade, é a eutanásia. E se há um autor que importa conhecer, que parte da sua própria experiência, tendo trabalhado em países onde a morte medicamente assistida é já uma realidade, e tem uma capacidade de síntese ao escrever e de prender auditórios quando entra em debate, é Luís Filipe Ribeiro Fernandes, enfermeiro em funções no Serviço de Cirurgia II do Centro Hospitalar de Trás-os-Montes, Pós-graduado em Gestão de Serviços de Saúde, membro do Núcleo de Enfermagem da Sociedade Portuguesa de Cuidados Intensivos durante dois mandatos, autor de vários trabalhos académicos e palestrante em Congressos Médicos e de Enfermagem. Junta a prémios e distinções recebidos pelos seus trabalhos, títulos mais nobres: pai de família, católico piedoso e com boa formação religiosa, o que lhe dá uma idoneidade ainda maior, pois não está comprometido com interesses – sejam eles humanos, políticos, de ONGs ou de qualquer lógica de lucro –, para realizar uma sintética mas importante obra sobre o modo como devemos (re)Pensar o morrer com dignidade.
Como profissional, a trabalhar há tantos anos com os pacientes mais debilitados, graves enfermidades, e doentes terminais, junta-se àquele número relevante e maioritário de agentes da saúde que nunca receberam um pedido de um paciente para ser-lhe abreviada a existência por motivos de dor ou sofrimento. O que é importante para analisar-se a oportunidade de legislar sobre algo que não abrange toda uma realidade e necessidade. Todavia, somos agora confrontados com a possibilidade de ver novamente discutida e promulgada uma lei que permitirá a eutanásia em Portugal. Algo que irá sem dúvida mudar as relações entre os médicos e enfermeiros e os pacientes, pois os profissionais lutam e trabalham, conforme juraram e estudaram, para melhorar a saúde e dar a vida àqueles que lhes são confiados, lidando com a morte como o pior dos inimigos, um desfecho muitas vezes inevitável, não a considerando como solução ou instrumento de trabalho. Por isso, Fernandes vê a recente petição pública que reivindica o “Direito a morrer com dignidade” como um “oportunismo e aproveitamento de uma conjuntura política favorável”. Não desconsidera certo grito de ajuda e de alerta de tantas pessoas que cada vez mais morrem em condições menos boas, na solidão, sem o apoio e o amor das próprias famílias, por vezes sem a devida assistência psicológica e religiosa, mas vislumbra na eutanásia a pior das soluções para acabar com o sofrimento humano, da mesma forma que não se acaba com a pobreza matando os pobres. E nota nesse movimento cívico que pugna pela eutanásia lobbies poderosos e ideologias contrárias à vida e favoráveis a certa cultura de morte, do descarte e da capacidade da autodestruição diante da fragilidade da idade e da enfermidade, trocando assim valores e princípios perenes e enraizados na nossa cultura ocidental por outros que nunca trarão benefícios para as nossas sociedades e para a dignidade da pessoa humana.
Discernindo a malícia e falácia dos argumentos favoráveis à eutanásia, ele nota certa desvalorização da ideia de pessoa, que deixa de estar inerente de modo intrínseco ao ser, mas condicionada à “posse de certas qualidades (como a saúde física, mental, etc.)”. Denúncia o uso de uma linguagem “adocicada”, substituindo-se palavras fortes como homicídio e suicídio por morte antecipada ou digna, visando-se com subtileza enganar as pessoas com determinadas terminologias que de suaves passam a inquisitórias no momento de tratar aqueles que defendem a vida como contrários às liberdades de decisão, masoquistas que querem que os outros sofram, ou fundamentalistas religiosos, “atrasados, conservadores e intolerantes”. Denota igualmente o “desprezo votado à vida humana”, a “relativização dos valores”, a “frieza e indiferença nas relações humanas” a “desagregação das famílias”, o hedonismo ou prazer como fim da vida, a doentia supravalorização dos animais irracionais em detrimento do valor da vida e da dignidade humana, a falta de amor, do verdadeiro amor, entre outros problemas hodiernos, como um terreno fértil para aqueles que querem desconstruir a ordem moral e social vigente, tão fragilizada por sucessivos ataques, interesses e ideologias.
Confesso, entretanto, que não foi fácil fazer um resumo de toda a obra recorrendo a questões denunciatórias e contrárias à eutanásia, pois a obra de Fernandes não se restringe à crítica, muito pelo contrário, preocupa-se com a formação e a informação, a visão positiva, mas nunca impositiva, iluminada e iluminadora. Forma quando explica a diferença entre eutanásia, distanásia e ortotanásia, e informa que esta última é a mais equilibrada e a mais próxima da realidade, e de uma aposta que passa pelos cuidados paliativos e não por métodos heterodoxos, ilegais e imorais de abreviar ou prolongar a vida. Forma quanto à diferença entre dor e sofrimento e informa que cabe à saúde lidar com a dor, o que faz com métodos relativamente eficazes, mas alarga a todos nós a responsabilidade de velarmos e amarmos os sofredores, ajudando-os, jamais matando-os. Revela uma visão positiva e fundamentada de pessoa e dignidade humana, mas não impõe uma visão estritamente cristã. Domina questões de ciência, mas não vê nela soluções plenas para esta humanidade. Iluminado por uma Fé que o leva ao testemunho, força e inspiração nos momentos difíceis, iluminadora de experiências humanas e de proximidade com os mais frágeis e sofredores, luz que afasta as trevas do erro, muitas outras superstições e falsas conceções. Possa, pois, a sua obra A MINHA LUZ – (re)Pensar o morrer com dignidade – iluminar e despertar muitas consciências para a probabilidade de um próximo embate que todos teremos de enfrentar diante das sombras tenebrosas e ameaçadoras da eutanásia.
Este livro, que me foi gentilmente cedido pelo autor, custa 5 euros, constitui uma leitura profunda, mas fácil, mesmo para quem não domine uma terminologia hospitalar, legal, religiosa ou filosófica, e porta uma explicação lógica, iluminada e iluminadora.
FERNANDES, Luís Filipe. A minha luz: (re)Pensar o morrer com dignidade. Ed. Tecto de Nuvens, 2018. 73p.
Adquira o livro ou tire dúvidas pelo email fifernandes@sapo.pt Penso que na medida do possível, com prévia marcação e disponibilidade, e reunindo um grupo considerável, o autor, especialista nesta matéria, estará também à disposição para conferências e debates.
P. José Victorino de Andrade
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