Por mais que houvesse tempos no início do século passado em que se desejou ocupar os espaços pertencentes à religião através da política, da ciência e da filosofia… Surpresa! Não só os vários deuses voltaram em força, como às grandes religiões somaram-se inúmeras seitas, espiritualidades orientais e panteístas, a astrologia e a bruxaria… Como um pêndulo que volta com idêntica ou maior força, ou um elástico que é solto e que liberta uma energia ainda maior, o poder temporal tem hoje um grande desafio, para o qual só uma sadia laicidade poderá responder adequadamente.
Um dos chavões mais entediantes que se ouvem quando qualquer instância pública ousa tocar em matérias religiosas, é a afirmação óbvia que o Estado é laico. Logo, considera-se um pecado público usar o nome de Deus, retirado das Constituições dos vários países, para ousar pronunciá-lo na política ou em qualquer instituição ligada ao Estado. Contrariando esse moralismo excessivo, a Igreja é a primeira a dizer que não há pecado. Graças a Deus que o Estado é laico e nunca esteve em causa um Estado confessional de qualquer religião nas políticas pós-modernas ocidentais. Nem seria desejável, pois a religião seria a primeira a perder, caso fosse controlada e manipulada por cores políticas e governos dos povos. Aliás, o Estado só pode confessar a sua incompetência em matéria de religião, pois não tem sequer capacidade ou idoneidade para controlá-la sem manipulá-la. Ademais, o poder público não deve abraçar uma fé, porque representa a todos, e não os membros de determinada religião. É democrático quando de todos, e não de alguns. E isto engloba a grande maioria dos homens que possui uma fé e abraça um credo, entre estes, certa quantidade que crê em algo para além de si e da existência terrena, mas tem dificuldade de pertença ou identidade relativa a uma instituição religiosa, e um pequeno número dos que não creem em qualquer divindade ou poder fora da sua relação com a existência natural e material: os convictos ateus.
Ora, o Estado laico não pode ser confessional do ateísmo, porque somente representaria uma pequena parcela do povo, e estaria a professar a irreligião, o que seria contrário à sua sadia laicidade. O Estado é laico, mas a sociedade não é laica, na medida em que existe nela, em maior ou menor grau, vida religiosa. Ao longo da História damo-nos conta da existência de homens ateus, mas civilizações que professam unilateralmente o ateísmo estão ainda por existir, embora oficialmente tenhamos pronunciamentos e tomadas de posição de alguns descrentes presentes na comunidade política ou mesmo nos meios de comunicação social que nos fazem pensar o contrário. Neles, a opinião publicada não representa a opinião pública. Ainda que pareça que o ateísmo tomou conta das realidades, a descrença representa apenas uma minoria. Ruidosa, é verdade, que vai tomando conta dos espaços diante de uma fé cada vez mais privatizada e envergonhada. Ora, um Estado que privilegie tal descriminação e limitação da fé, não é plural, nem livre, nem… laico. O Estado que vive uma sadia laicidade garante a liberdade nas opções e práticas religiosas, sem coação ou limitação, embora isto não o deva inibir de vigiar potenciais seitas ou fundamentalismos. Um Estado democrático e livre não silencia ou hostiliza os homens crentes porque estão em repartições ou serviços públicos, sempre que vivem a sua fé no respeito e garantia das liberdades alheias. Só um Estado leviatânico, tirânico, proíbe os símbolos e as tradições e devassa os bens materiais e imateriais de profundas raízes religiosas dos povos.
Um Estado que não fosse absolutista e totalitarista beneficiaria todas as ações que visam o bem comum e a solidariedade social, sem olhar a credos e a instituições, apoiando todos os que colaboram para a dignidade humana e constituem um prolongamento dos deveres do poder temporal na garantia do bem-estar de todos os homens, sobretudo os mais frágeis da sociedade. Este princípio de subsidiariedade institucional é importantíssimo, pois um Estado que pretendesse açambarcar todas as obras sociais, do ensino à saúde, da solidariedade à caridade, desdobrar-se-ia em iniciativas hercúleas e dispendiosas, talvez impossíveis de serem suportadas pelo erário público, sufocando a boa vontade, gratuidade, caridade e voluntariedade daqueles que, por garantia constitucional, da liberdade e do direito, se associam e trabalham em prol da comunidade, sobretudo a mais carente. Mas o Estado laico não pode ver as religiões somente como parceiros sociais. Isso seria delimitá-las e reduzi-las quanto à sua altíssima importância e presença junto aos homens. Elas dão um sentido à vida e à morte, ao sofrimento, uma resposta concreta à nossa existência, uma orientação ao nosso comportamento e uma luz orientadora para a vida dos homens. Preenchem os anseios de absoluto e de espiritualidade. Um Estado que se dê conta das suas limitações, em matéria humana, espiritual e moral, de valores que o antecedem e antepõem, só poderia libertar-se de preconceitos na consideração das religiões, e viver em união, não institucional, mas de afetiva complementaridade e operacionalidade, para bem do homem todo, e de todos os homens.
Como seria um Estado durante o Triunfo do Imaculado Coração de Maria enquanto era histórica?
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