Perante a supremacia do corpo sobre a alma e, analogamente, do temporal sobre o espiritual, caem os valores metafísicos e religiosos que sempre orientaram o homem na sua peregrinação terrena e verificam-se profundas e desastrosas mudanças na nossa sociedade: desaparece a estabilidade matrimonial, coloca-se em causa a família indissolúvel e heterossexual como base fundamental da sociedade, a vida perde o seu sentido mais profundo e inalienável diante do aborto e da eutanásia. A legislação do Estado faz questão muitas vezes de acompanhar a passageira moda ideológica e certa cultura de morte, mesmo diante do tardar de novas e jovens gerações acarretando com isso graves consequências sociais e económicas.
O Estado deveria tutelar e não legislar contra aquilo que é sagrado e consagrado ao longo da história. Não cumprindo, levanta-se a Igreja que nos últimos tempos tem garantido que nenhum atentando à liberdade e verdade de valores tais como a vida e a família possam ser colocados em causa. Eles são universais, inalienáveis e atemporais, e não estão sujeitos nem ao espaço, nem a qualquer programa ideológico ou político. E a Igreja vela para que todos esses bens, presentes na lei natural e eterna não fiquem sujeitos a modas e dependentes de um legislador humano, que jamais pode positivar aquilo que é negativo, ou legitimar o que permanece contra a reta razão das coisas, tornando-se aquilo que São Tomás de Aquino apelida de “corrupção da lei” (S. Th. I-II, q. 95, a. 2, c.)[1]. E se a Igreja deverá intervir junto aos Governos, por vezes enfaticamente, Ela não o faz para imiscuir-se em questões políticas, ingerindo na máquina Estatal a seu bel-prazer, mas para defender direitos invioláveis, anteriores e superiores ao próprio Estado, além de zelar pelo sacrário da consciência e da reta razão das coisas ordenadas conforme Deus.
A intervenção da Igreja na política não é feita por interesse ou gosto, mas como um dever e uma possibilidade, sobretudo em matérias que interferem e ferem o homem na sua totalidade, todos os homens e o homem todo. E a Igreja olha com um especial carinho para os mais frágeis e desprotegidos. Esta ação junto ao campo temporal é também possível por ser uma instituição de carácter espiritual, entretanto constituída por cidadãos, comprometidos com a Fé e com a edificação de um mundo melhor, que não deixam de ter voz e vez nas atuais democracias. Os poderes públicos não devem excluir ninguém, sobretudo por matéria de adesão a um Credo, para não correrem o risco de serem excludentes ou confessionais do ateísmo, contrários por isso a uma sadia laicidade e a um autêntico pluralismo.
Pe. José Victorino de Andrade
____________________________
[1] “Si vero in aliquo, a lege naturali discordet, iam non erit lex sed legis corruptio”.