Entre os assuntos mais polémicos, causadores de certa discórdia e desconforto em alguns fiéis, maioritariamente os menos assíduos ou os mais relativistas, a questão do batismo das crianças e a escolha dos padrinhos parece ser um dos que terminam muitas vezes em mal-estar e até mesmo afastamento da Igreja. Ora, parece ser necessário uma oportuna catequese, não só para o discernimento de quem pode e deve ser padrinho e madrinha, uma escolha que não deve ser feita de ânimo leve, mas também para a compreensão das normas canónicas e litúrgicas, pastorais e sacramentais que não foram pensadas ao acaso. A lei não é promulgada para limitar, mas para libertar, orientando os homens no convívio social, pois onde está a sociedade, aí precisa estar a lei. Sem ela, respira-se a anarquia, vive-se a tirania do mais forte, e não a maioria da razão. Ora, a Igreja, Corpo Místico de Cristo, mas também sociedade visível, hierárquica, composta por homens, necessita de normas que a conduzam e orientem, de modo a haver uma só eclesiologia e vida pastoral e sacramental, senão, cada templo transformar-se-ia numa realidade distinta com as suas próprias regras e caprichos, e deixa de haver comunhão, uma comunidade de comunidades, em união com o Primado de Pedro. A lei, ainda que nas mais pequenas sociedades, não é estranha a qualquer ser racional que viva debaixo do sol. Não só nas nações, regiões e pequenas localizações… encontramos normas e regras para o tráfego aéreo e terrestre, nos supermercados, museus, condomínios, escritórios, pequenas, médias e grandes empresas, escolas e Universidades… até à entrada de uma padaria poderemos encontrar um cartaz que limita a entrada a animais, ou veda junto à praia a entrada a homens em tronco nu, entre outras… Porque será tão somente na Igreja que a pessoa quer fazer as coisas à sua maneira, sem respeito por qualquer autoridade ou norma?
Ao conjunto de leis que regem a Igreja dá-se o nome de Código de Direito Canónico, e este determina quanto aos padrinhos do Batismo[1]:
Cân. 872 — Dê-se, quanto possível, ao baptizando um padrinho, cuja missão é assistir na iniciação cristã ao adulto baptizando, e, conjuntamente com os pais, apresentar ao baptismo a criança a baptizar e esforçar-se por que o baptizado viva uma vida cristã consentânea com o baptismo e cumpra fielmente as obrigações que lhe são inerentes.
Cân. 873 — Haja um só padrinho ou uma só madrinha, ou então um padrinho e uma madrinha.
Cân. 874 — § 1. Para alguém poder assumir o múnus de padrinho requer-se que:
1.° seja designado pelo próprio baptizando ou pelos pais ou por quem faz as vezes destes ou, na falta deles, pelo pároco ou ministro, e possua aptidão e intenção de desempenhar este múnus;
2.° tenha completado dezasseis anos de idade, a não ser que outra idade tenha sido determinada pelo Bispo diocesano, ou ao pároco ou ao ministro por justa causa pareça dever admitir-se excepção;
3 ° seja católico, confirmado e já tenha recebido a santíssima Eucaristia, e leve uma vida consentânea com a fé e o múnus que vai desempenhar;
4.° não esteja abrangido por nenhuma pena canónica legitimamente aplicada ou declarada;
5.° não seja o pai ou a mãe do baptizando.
Em perigo de morte, o Direito Canónico autoriza o batismo de crianças, inclusive filhos de pais não católicos, mesmo contra a vontade dos pais. Entende-se como criança, “o menor, antes dos sete anos completos”, que é “considerado não senhor de si; completados, porém, os sete anos, presume-se que tenha o uso da razão” (97 § 2). Não havendo perigo eminente de morte, os pais, ao menos um deles, ou aqueles que fazem as suas vezes, necessitam consentir. No caso de pais não católicos ou que se desconfie não educarem o seu filho catolicamente, o batismo poderá ser diferido até ao momento em que o batizando, com uso da razão, peça validamente para ser batizado (Cân. 868). Ora, parece ser prática pastoral corrente, pelo menos nas Dioceses onde trabalhei até agora e a exemplo dos gestos concretos do Papa Francisco, que não se deveria negar o batismo a nenhuma criança por motivos de uma família que não viva o matrimónio cristão. O inocente não pode receber as culpas da vida desordenada dos seus pais. O próprio Ritual Romano da Celebração do Batismo, nos seus Preliminares, lembra que a Igreja “sempre entendeu que as crianças não devem ser privadas do batismo” (n. 2). Ademais, o Direito Canônico pede uma “vida consentânea com a fé e o múnus que vai desempenhar” aos padrinhos, não aos pais. É por isso que devemos valorizar ainda mais a importância dos padrinhos, daqueles que auxiliam os progenitores na educação cristã do infante e que necessitam, conforme vimos no direito, ser exemplo e referência para o petiz. A criança pode nascer nas condições mais adversas, mas poderá e deverá ser integrada na comunidade, Povo de Deus, que também no batismo se compromete a auxiliar os pais e padrinhos na educação cristã do infante. Negar simplesmente o batismo a filhos de pais católicos, que o pedem, embora não vivam um matrimônio cristão, prostergando-o para mais tarde, tem-se revelado um verdadeiro desastre pastoral.
O Direito Canónico adia o batismo tão somente àqueles que não possuem o uso da razão, filhos de pais não católicos, isto é, não batizados ou de outras religiões, ou que não se comprometam na educação cristã dos seus filhos, não o fazendo nem permitindo que outros, como os padrinhos e os catequistas, o façam. Estas são as únicas e exclusivas condições para se adiar o batismo (Cân. 868). Qualquer pedido que não contemple esta condicionante, deve ter em conta o Cân. 843 § 1: “Os ministros sagrados não podem negar os sacramentos àqueles que os pedirem oportunamente, que estiverem devidamente dispostos e que pelo direito não forem proibidos de os receber”. É uma questão pastoral, canónica, de sede de almas e de caridade, que deve animar todo o pastor. Afinal, os pais, quer por ignorância religiosa, até muitas vezes não culposa, quer por contingências que os empurraram para uma vida distante da moral cristã, poderão ser dóceis a que a criança receba a devida educação religiosa que eles mesmos não tiveram ou abandonaram. Por analogia, quantos pais não tiveram os seus estudos incompletos, vivem de trabalhos humildes ou no desemprego, mas apoiam e proporcionam aos seus descendentes uma formação superior? Os filhos não podem estar fadados ao fracasso profissional e pessoal devido à situação familiar, como não podem ficar reduzidos ao paganismo por causa do pecado dos pais. Conforme o Catecismo, “a Igreja e os pais privariam a criança da graça inestimável de se tornar filho de Deus, se não lhe conferissem o Baptismo pouco depois do seu nascimento (n. 1250). Ora, é este princípio que leva a Igreja a ter um enorme cuidado na escolha dos padrinhos. Se os pais não têm condições de educar cristãmente o seu filho, mas não se opõem, precisam de quem os auxilie. Por isso, a escolha dos padrinhos não se pode cingir a uma questão de amizade ou posses económicas, grau de parentesco ou cumplicidade com os pais. Para que a criança possa desenvolver-se, receber formação cristã e ter bons exemplos a seus olhos, necessita do “papel do padrinho ou da madrinha, que devem ser pessoas de fé sólida, capazes e preparados para ajudar o novo baptizado, criança ou adulto, no seu caminho de vida cristã. O seu múnus é um verdadeiro ofício eclesial”, ao qual se junta toda a comunidade eclesial, responsável também ela por favorecer um crescimento integral coerente com a graça baptismal (CEC 1255).
A comunidade faz uma promessa diante de Deus, tal como os pais e padrinhos, de educar a criança “na fé, para que, observando os mandamentos, ame a Deus e ao próximo, como Cristo nos ensinou”, um compromisso do qual devem estar cientes, conforme o diálogo público realizado diante de Deus, dos seus ministros e de todos os presentes, como consta no Ritual Romano da Celebração do Baptismo (n. 77). No fim, devem ficar registados os nomes dos baptizados, fazendo-se menção do ministro, dos pais e dos padrinhos, documento que deve ficar assinado por estes. Trata-se, pois, de um compromisso público, religioso, testemunhado e escrito, que não deve ser relativizado. Não pode assinar um padrinho ou uma madrinha pouco coerentes com aquilo que se lhes pede, e que devem professar publicamente. Exige-se-lhes coerência de vida. Senão, é preferível cingirem-se a testemunhas do baptismo. A quem a criança vai chamar padrinho ou madrinha, fora da Igreja, não é com o ministro, os pais que escolham outros ou a criança que eleja posteriormente. Até a alguns mafiosos já se chamou de padrinhos. Há santos a quem os fiéis tratam como padrinhos. Há pessoas que nem participaram da celebração na igreja mas a quem os jovens e adolescentes habituaram-se a apelidar de padrinho ou madrinha. Isso é com cada um e faz parte das liberdades individuais. Mas aqueles que pedem o baptismo da Igreja devem sujeitar-se às suas leis e normas, para não fazerem um mero teatrinho diante de Deus, prometendo uma coisa, mas vivendo outra. Para seriedade e idoneidade da celebração. Para coerência de quem se apresenta. Para favorecimento da educação cristã da criança que não se limita ao ensino de uma doutrina, mas ao exemplo de vida que deve acompanhá-la no seu crescimento. Se eu não posso apresentar como fiador um falido, como credor um devedor, como testemunha um ausente, ceder a direção do carro a quem não tem carta de condução, porque será tão somente na Igreja que quero confiar a grande responsabilidade de padrinho ou madrinha àqueles que não cumprem os requisitos para tal? É até uma desconsideração acerca da seriedade e dignidade do sacramento…
P. José Victorino de Andrade
Nota: Cada Diocese pode ter as suas normas, previstas pelo Direito e pelo Ritual Romano, quanto ao Sacramento do Batismo, relativamente aos padrinhos e à sua admissão como testemunhas, no caso de não cumprimento com o que está estipulado pela Igreja. Apresentei as normas em geral, de acordo com os documentos da Igreja; este artigo não dispensa a consulta das normas diocesanas.
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[1] Quanto aos padrinhos para a receção do Sacramento da confirmação, o Direito estabelece condições semelhantes às do cân. 874, aconselhando a ser o mesmo que desempenhou essas funções no batismo, se possível, (Cân. 893 § 2) e determina como múnus para este “procurar que o confirmado proceda como verdadeira testemunha de Cristo e cumpra fielmente as obrigações inerentes a este sacramento (Cân. 892).
Ver também o artigo Porque devemos batizar desde cedo as crianças