O Estado é laico! E ainda bem! Historicamente, sempre que a Igreja esteve sujeita a tiranias e a domínios temporais, acabou por ser a mais prejudicada. Tempos houve em que os reinos e os impérios queriam nomear os seus bispos na célebre questão das Investiduras, escolhendo assim aqueles que estavam alinhados com o poder temporal, e desprezando os que eram nomeados pela Santa Sé. Apesar da proibição e das excomunhões e medidas impostas por Gregório VII, Pontífice que ajudou a clarificar a fronteira relativa ao poder espiritual e temporal, a tentação permaneceu. Na dinastia filipina, o Brasil chegou a estar anos sucessivos sem qualquer bispo, uma vez que não era do interesse dos Filipes indicar quem quer que fosse, apesar do grande prejuízo que tal acarretou para a evangelização e a Igreja local, um rebanho ferido e sem pastor, salvo pelo espírito de missão, virtude e magnanimidade das ordens religiosas. Até mesmo a Inquisição, tão alabardada pelos repetitivos anticlericais de plantão, foi muitas vezes instrumentalizada e desvirtuada por diversos potentados para eliminar adversários incómodos: Santa Joana D’Arc condenada nas masmorras britânicas por bispos franceses mancomunados com os ingleses, ou os Jesuítas e os Távoras em Portugal, trucidados e queimados sob as ordens do Marquês de Pombal, constituem bons exemplos disso. “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” (Mt 22, 21). Jesus não deixou margem para dúvidas, se bem que esta união de poderes, tão comum no seu tempo e tão presente ainda hoje em nações distantes do catolicismo, revela como esta separação num Ocidente edificado sob os alicerces do cristianismo foi demorada, dolorosa, conflituosa, mas sem dúvida necessária.
Hoje, as constituições inspiradas pelas revoluções republicanas anticlericais, ignoram Deus e separam radicalmente o Estado da Igreja. Existe um esgotamento de ambas as partes, resultado de querelas, tempo e “fosfato” perdidos que poderiam ter sido empregues em prol da humanidade. Ergueram-se muitos muros, e num tempo em que se faz a apologia das pontes é preciso sanar as feridas do passado, e não haver medo de voltar à concórdia e à mútua colaboração na edificação do bem comum, respeitando os limites que cabem ao poder temporal e ao espiritual. Não se trata de unir as duas realidades – isso ninguém deseja – até porque traumas históricos e fidelidades fundacionais o impedem. O Estado não pode é simplesmente professar o ateísmo e a irreligião, pois então deixará de ser laico, plural, para pertencer apenas a uma minoria de homens e mulheres sem Deus e sem religião. Ele deve saber conviver com todas as realidades, e harmonizar todos os cidadãos na sua liberdade de crença e de descrença. Para tal, é necessário promover políticas que não privatizem a fé, nem difundam o ateísmo, mas interajam com as várias realidades, protejam minorias e proíbam atitudes discriminatórias. O Estado laico não pode simplesmente ignorar as religiões, quer seja pela necessidade da sua existência do ponto de vista sócio-caritativo e mormente religioso, quer seja pela necessidade de velar para que não se introduzam na nação seitas e grupos extremistas que comprometam o bem-estar e a integridade dos cidadãos. E uma vez que as instituições podem ser laicas, mas os povos não o são, conceder capelanias, a fim de assegurar o atendimento religioso nos edifícios onde estão estavelmente aqueles que seriam privados da prática religiosa, seja por motivos de saúde ou de segurança: hospitais e internamentos, prisões e quarteis militares, etc.
A estratégia política do Estado laico não pode consistir em tirar crucifixos das paredes e proibir a entrada de eclesiásticos e das suas doutrinas nas instituições públicas, ou excluir da emissão dos canais de televisão públicos qualquer intervenção religiosa, e depois servir-se do mesmo aparelho de Estado para os políticos aparecerem nos eventos eclesiásticos, geralmente em data próxima às eleições, dada a incidência eleitoral de tal presença que gera votos de milhares de crentes iludidos com líderes que se fazem muito éticos e religiosos antes de irem para a mesa de voto. Dentro do zelo por aquilo que é bom e das instituições que colaboram seriamente para a educação, a saúde, a caridade e o bem-estar, cabem sérias responsabilidades ao Estado de vigiar e assegurar que não surjam ideologias políticas discriminatórias ou confiscatórias relativamente às Instituições Particulares de Solidariedade Social confessionais (ou não), tal como assegurar que extremismos e fobias, sobretudo na presente e crescente cristianofobia, transformem órgãos de imprensa, redes sociais e manifestações públicas em catervas anárquicas que vociferam e delapidam as religiões e os seus edifícios, descriminam os crentes e perseguem os religiosos. O Estado laico não é o Estado ateu, senão não garantiria o Direito Universal de todos os homens, na sua liberdade de pensamento e de consciência, professarem e praticarem uma determinada Fé. Nem pode ser negligente com as realidades institucionais que o circundam dentro da liberdade de associação assegurada pela maior parte das legislações. Deve ser, isto sim, o órgão de soberania que reúne todos os seus filhos dentro de uma mesma nação, velando pela harmoniosa convivência de todos, acolhendo aqueles que vêm acrescentar algo ao seu património pessoal, económico e cultural, vigiando pelo bem-estar de todos e para que não se corrompam nenhuns daqueles que lhe foram confiados. E não se fechar ao diálogo e à colaboração com todas aquelas instituições que o ajudam a cumprir com os seus objetivos na edificação do bem-comum.
P. José Victorino de Andrade
Para saber mais sobre o Estado e a sua relação com as religiões, leia também a explicação: O Estado laico para leigos
Ao ler um livro de História que me chegou agora e se chama REVOLUÇÃO!, da autoria de José Luis Andrade, senti necessidade de vir reler este artigo do Padre, pois na verdade ali está bem claro a necessidade de se explicar como a Comunicação Social se encarregou e encarrega de denegrir tudo o que se aproxima do cristianismo.
Citando 1984, de George Orwell, do qual transcreve algumas passagens, torna-se evidente como a História foi sendo reescrita ao sabor das tendências anticlericais e maçónicas no poder.
É bom saber como tudo se vai cozinhando…
Adelante Padre.
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