O respeito pela ordem da criação foi desde sempre proposta pela Igreja em amor e fidelidade ao Criador. Uma vez que Ele tudo tirou do nada por um ato de bondade, a resposta concreta do homem dever-se-ia manifestar no respeito e atenção pela obra do Omnipotente, a partir da qual Ele recebe a glória externa, das criaturas, pela sua existência, e concretamente dos homens, pela consciência. Como ensina o Catecismo, “existe uma solidariedade entre todas as criaturas pelo facto de todas terem o mesmo Criador e todas serem ordenadas para a sua glória” (n. 344). É a partir da grandeza ou singela beleza nos vestígios de Deus que o homem é capaz de maravilhar-se, e na contemplação, adorar Aquele que tudo fez e tudo sustenta. Os rios e os mares, as flores e os animais, os céus e a terra, o sol, a lua e as estrelas, o ar que respiramos e o Universo com que nos extasiamos, enfim, tudo o que existe, deveria conduzir-nos a um carinho e cuidados que a nenhuma outra criatura foram confiados. Ao Homem cabe a responsabilidade na sua liberdade. Os animais, as plantas e os cursos naturais estão presos à sua própria natureza, instintos e razão de ser, mas ao Homem foram dadas uma consciência e uma inteligência, e como tal, tem a responsabilidade moral dos seus atos. E desde os primeiros exames de consciência que encontramos a interpelação ao modo como cuidamos da criação.
A atenção e o cuidado pela casa comum não é, portanto, uma novidade para o cristianismo, mas é hoje de premente atualidade e deve sempre ser repensado pela interpelação e interpretação dos sinais dos tempos, desde que iluminados pelas Escrituras. Foi o que profeticamente fez o Papa Francisco através da sua Encíclica Laudato Si’. Ele parte da Sagrada Escritura e do cântico das criaturas de São Francisco de Assis, e consequentemente de uma conceção medieval, que se manifesta na fidelidade do doce pobre de Assis ao respeito e contemplação das criaturas, suas irmãs, porque originárias de um mesmo Criador, para os desafios presentes no desafio por uma ecologia integral, ou seja, uma ecologia que não se encerra em ideologias ou políticas, em ciências exatas ou na biologia, mas que remete para categorias que as transcendem e que “remetem para a essência do ser humano” (n.11). A Doutrina Social da Igreja oferece um amplo leque de reflexões, e a Fé pode contribuir numa perspetiva dialogante com as demais ciências para chegar a decisões eficazes e íntegras. O Cristão preocupa-se com as fragilidades e os frágeis, e possui motivações e uma doutrina original e originária para cuidar da obra da criação. Original, porque própria ao cristianismo, originária pois foi a responsável pelo respeito da criação, qualquer pessoa ou qualquer criatura. Entretanto, a presente crise antropocentrista, onde o homem ora está no centro, ora é despojado da sua dignidade, o individualismo pelo qual falta a preocupação com o meio que o rodeia e o seu próximo, o relativismo prático que degrada a relação com o outro, um progresso que se o é nos meios técnicos e científicos, falha na ética e aumenta a capacidade autodestrutiva do homem, são fatores a ter em conta na atual problemática ecológica.
Quando a ecologia é reduzida a extremismos ideológicos ou a cálculos de lucro e influência, a manipulação e aliciamento para o sufrágio de aparentes causas protetoras dos animais e da natureza, dirigidas à conquista de votos e a politiquices, não só acabam por privatizar causas e questões universais, como radicalizam-se posições e desequilibra-se toda uma hierarquia de valores, o justo equilíbrio e a ordem das coisas. Ao querer levantar bandeiras onde há muito a Igreja erguia o estandarte da cruz, muito antes de haver partidos ou ONGs, os partidos ecologistas e as organizações e instituições, afincam posições alimentadas por ideólogos e filosofias anarquistas, niilistas, tribalistas, comunistas e afins… toda uma panóplia de fundamentalistas com ambições de lucro, de poder, de subversão e desordem social. Com facilidade revelam-se então os desequilíbrios afetivos e racionais. São a favor dos ovos de tartaruga, avestruz, entre outros, criminalizando a sua destruição, e a favor do aborto, descriminalizando a sua prática. São contra o descarte de papel, cartão, vidro, e a favor do descarte de embriões humanos. São contra a eutanásia dos animais, mesmo se esta é defendida pelos Veterinários, que dizem ser fundamental para certas enfermidades incuráveis e contagiosas, mas a favor da eutanásia dos humanos, ainda que existam fármacos eficazes no tratamento e alívio da dor. Contra a morte do touro, mas a favor da morte do bebé. A proteção plena do bicho e a vulnerabilidade da pessoa humana desprotegida. Elevam cães e gatos à adoração, e rebaixam Deus e a religião à irrisão. Em alguns países chega a ser crime inafiançável cortar certas árvores, matar macacos ou outros bichos, mas um assassino de outro homem pode pagar a sua fiança e sair tranquilamente pouco depois de ser preso. Esses ideólogos extremistas professam, entretanto, uma só religião: o PAN – teísmo. Tudo é deus, deus é tudo, e o homem retorna ao nada. A natureza é elevada a uma divindade, e a divindade é rebaixada a uma natureza. Tanto o Criador, como o Homem criado à sua imagem e semelhança, são despojados das suas prerrogativas. Mas, proteger a natureza não pode significar a destruição do Homem, como certas conceções que acham que a humanidade deveria ser reduzida, erradicada, ou voltar para o mato ou a caverna… Se o homem é o problema, é por ele que virá a solução, não podemos abdicar da humanidade para reinar o animal e o vegetal. É irracional, como irracionais são os vegetais e os animais.
Alerta a Laudato Si’, partindo de uma reflexão de Bento XVI, para ideologias que aspiram “igualar todos os seres vivos e tirar ao ser humano aquele seu valor peculiar que, simultaneamente, implica uma tremenda responsabilidade. Também não requer uma divinização da terra, que nos privaria da nossa vocação de colaborar com ela e proteger a sua fragilidade. Estas concepções acabariam por criar novos desequilíbrios, na tentativa de fugir da realidade que nos interpela” (n. 90). Como precisa o Papa Francisco nesse documento, “não somos Deus. A terra existe antes de nós e foi-nos dada” (n. 64). Consequentemente, trata-se de guardá-la e preservá-la, como um dom, não como pertença. A nós não pertencem os bens deste mundo, mas estão aos nossos cuidados, enquanto aqui peregrinamos, sem podermos ignorar a herança daqueles que virão. A solução não está jamais numa “espiritualidade que esqueça Deus todo-poderoso e criador” pois “acabaríamos por adorar outros poderes do mundo, ou colocar-nos-íamos no lugar do Senhor”. Para o Pontífice, “a melhor maneira de colocar o ser humano no seu lugar e acabar com a sua pretensão de ser dominador absoluto da terra, é voltar a propor a figura de um Pai criador e único dono do mundo; caso contrário, o ser humano tenderá sempre a querer impor à realidade as suas próprias leis e interesses” (n.75). Ao considerar a harmonia e discernimento necessários para o futuro da nossa terra, definitivamente, o equilibro ecológico perde-se no extremismo ideológico, e encontra-se na perene doutrina de quem sempre ensinou a amar a criatura, e acima de todas as coisas, o Criador.
P. José Victorino de Andrade
Bom dia Pe. Jose. Disse que evitaria escrever mas apos esta postagem https://infovaticana.com/2019/05/16/cardenal-eijk-la-ideologia-de-genero-amenaza-la-unidad-familiar-tradicional-y-la-fe-cristiana/ , tenho que postar novo parecer. O Sr. Foi generoso ao falar de família e Santa Sé.
A ideologia de gênero causa problema em tudo. Na identidade particular de cada individuo, no ventre da maternidade, na educação, no trabalho, na politica, nas estruturas que compõe obras sociais, nos museus, … A ultima que vi foi nas bandeiras das Pátrias.
Alias, vou comentar como item à parte esta questão. Na argentina, uma escola içou a bandeira nacional com uma bandeira “arco-íris”. O comentário posto veio de um site LGBT ai de Portugal. O comentário dizia que foi uma conquista. No direito de confrotar, indignada, falei sobre a farça que existe nisso. Muitos pessoas em sociedade, vivem o preconceito. Os negros, os deficientes físicos, os indígenas, etc. Cada um também merecia içar suas bandeiras. Disse que isso era um desrespeito à Bandeira de uma Pátria, pois esta representa todos os cidadãos e não somente as ideologias…
Bem… Hoje o mesmo site mostra a prefeitura de Lisboa a içar a Bandeira “arco-íris”. O que discretamente, não foi percebido, é que a Bandeira da Pátria está bem acima, uma outra enegrecida ao lado, a qual peço a Deus zelo por este subjetivo… E uma outra aste sem bandeiras…
Padre, a ideologia propõe muita subjetividade. É necessário cuidar.
Obrigada mais uma vez.
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