A implantação de várias Repúblicas no fim do séc. XIX e início do século XX levou a perseguições e custou até mesmo a vida a muitos daqueles que a elas se opunham, ou por estarem afeitos aos poderes anteriores ou simplesmente porque pertenciam a instituições cuja existência incomodava os novos regimes. A redação de constituições onde o nome de Deus deixava de constar, fez com que alguns mais radicais ou comprometidos com os ideais do laicismo quisessem despojar a sociedade do divino e do sagrado. Encontramos assim, nos diferentes processos de instauração das Repúblicas, uma desconstrução do sagrado. Chegam a expulsar-se as ordens religiosas, nacionalizam-se bens da Igreja e na medida em que Ela é composta de pedras vivas, ouvem-se os gemidos e lamentos dos perseguidos enquanto são coagidas as manifestações públicas de Fé.
Não compete a este trabalho criticar a República. Tal seria que a res (coisa) pública fosse sujeita a censuras, para mais na mentalidade hodierna. Aliás, historicamente a Igreja comprometeu-se com alguns regimes mais do que outros, entretanto, isso não significa que alguma vez tivesse oficialmente declarado alguma forma de poder como ilegítima, fosse ele a Monarquia ou a República, a Aristocracia ou a Democracia… Houve quem tomasse o poder de forma ilegítima, ou quem governasse de forma tirânica, mas o problema estava nos líderes e não no regime. Opondo-se a esses, a Igreja sempre fez uso da sua voz profética, mesmo diante de reações mais ou menos violentas. A História é rica em personagem como João Batista, Tomás Morus, João Fischer, ou mesmo de Papas como Gregório VII, Bonifácio VIII, Pio XI ou mesmo João Paulo II, entre tantas outras vozes que se opuseram a muitos poderes e estruturas ilícitas, injustas e tirânicas. A história repetiu-se com as primeiras repúblicas que rotularam a Igreja de reacionária ou apoiante dos que se opunham aos princípios liberais, uma meia verdade absolutizada por alguns líderes que aproveitavam para atiçar os seus partidários ao anticlericalismo e à perseguição religiosa.
A República e a Igreja tornavam-se assim dificilmente conciliáveis e “os Papas não tinham qualquer ilusão a respeito deste ponto: as reivindicações liberais e constitucionalistas resultavam meridianamente incompatíveis com o chamado regime clerical”.[1] O problema nunca foi a República, enquanto forma de governo de uma nação, mas os líderes e os ideais que procuravam privatizar a Fé de toda uma maioria, ou a legislação que levava frequentemente a supressões que feriam a liberdade de culto e as convicções religiosas. O imbróglio da questão surge, portanto, nos moldes chamados “liberais”, fortemente enraizados na Revolução Francesa e nos seus fundamentos filosóficos intolerantes relativamente à liberdade da Igreja.[2] A liberdade para todos, menos para alguns; a fraternidade para todos serem irmãos, filhos de um Estado absoluto e não de outra Mãe; e a igualdade impossível, utópica, sobretudo quando se mantêm estruturas totalitaristas e ditatoriais fazendo com que uns possam tudo, e outros menos ou nada.
P. José Victorino de Andrade
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[1] “[…] los propios Papas no se hacían ilusiones respecto a este punto: las reivindicaciones liberales y constitucionalistas resultaban meridianamente incompatibles con el susodicho régimen clerical” (RHONHEIMER, Martin. Cristianismo y Laicidad: Historia y actualidad de una realidad compleja. Madrid: Rialp, 2009. p. 83. Tadução minha)
[2] Ibidem.
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