O racionalismo eivou os iluministas que consideravam o homem e a sociedade com uma visão naturalista e mecanicista. Um desses filósofos revolucionários, Rousseau, considerava o homem bom por natureza. Para ele, o problema estaria na sociedade. Sintetizou-se este pensamento nos seguintes termos: “o homem é bom por natureza, a sociedade o corrompeu”.[1] Por isso, Rousseau prescreve uma educação naturalista e declara-se favorável ao bom selvagem, que o levará mesmo a viver na floresta (e a comprometer a lucidez). Esta natureza que ele considera íntima e boa, surge no contexto de uma filosofia concebida por Rousseau na qual a religião revelada não é aceite. Ele concebe apenas uma religião naturalista, que nasce do coração de cada homem.[2] O pensamento de Rousseau enraizou e desenvolveu-se de tal forma que uma colheita tardia dos seus frutos ideológicos ainda hoje prolifera tanto no âmbito espiritual quanto temporal.
Rousseau coloca a crença religiosa no plano da sensibilidade, ou seja, aquilo que sentimos é que deve ser valorizado, dando assim um verdadeiro primado ao plano sensível em detrimento do racional ou intelectual. Sem a valorização de qualquer doutrina imposta, a religião de Rousseau, afetiva, sentimental, seria pura, ao contrário de um conjunto de verdades externas, sendo preferível então cada um ter a sua própria verdade (mas sendo assim, o que é a Verdade?). Ele também não dispensa a existência de um Deus bom, mas sem justiça, que assiste impassível ao mau uso da liberdade dos homens (embora seja contraditório um Deus que não faça justiça e ordene as coisas ser um Deus bom). Rousseau é ainda contrário a qualquer rito, pois é externo, preferindo a adoração de um deus natureza e uma religião onde cada um faça as coisas como considera melhor, sem necessidade de uma prática, a não ser a própria, ditada por cada um. Igual tratamento teve a moral que também estaria sujeita ao sujeito, pois dependeria somente ao foro interno distinguir o bem do mal. Claro que esta religião de Rousseau, e não de Jesus, teria de estar radicalmente oposta à Igreja fundada por Deus. Por isso o filósofo opõe-se sobretudo ao catolicismo.[3] Entretanto, é verdade que nos dia de hoje muitos que se dizem católicos, e mesmo alguns dentro da Igreja, têm posturas que se identificam mais com o iluminista do que com a Luz do mundo, Cristo.
Quanto à sociedade temporal, se o homem é corrompido pela sociedade, conforme Rousseau, é preciso que seja regido por uma lei forte e dominante a quem ninguém se oponha. Para o filósofo, o contrato social regulará a convivência humana, pois uma vez que a sociedade corrompe, normas e compromissos que expressem a vontade e a liberdade da “maioria das vozes” necessitam ser criados.[4] De acordo com o filósofo, o Direito é a lei, porque a lei é a única expressão legítima da vontade geral. Nenhum costume pode prevalecer contra a lei ou a despeito dela, porque só ela encarna os imperativos da razão”.[5] Ainda que a lei seja injusta ou imoral, impõe-se, pois uma vez que Deus não faz justiça e a sociedade é que corrompe o homem, deve ser um feixe de leis que obriguem e coajam. Um Estado forte, absoluto, que ordena e educa, moraliza e contratualiza tudo. Não tardaria a homens contemporâneos, como Baubérot, apostarem numa moral laica, pertencente a todos e não a um grupo em particular, como a moral cristã, achando que por isso deveria ser ensinada a primeira, em detrimento da segunda. Ademais, numa religião naturalista, aceite em referência a Rousseau, os fundamentos da moral laica passariam pela tríade “liberté, fraternité, égalité” e os indivíduos com tal conduta teriam capacidade de serem tão bons quanto os de qualquer religião.[6] O que até agora, não tem dado frutos visíveis… mas cardos e espinhos.
P. José Victorino de Andrade
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[1] FIORIN, José Augusto (org.). O pensamento humano na história da filosofia. Ijuí (RS): Sapiens, 2007. p. 266.
[2] Ibid. p. 267.
[3] Este é um resumo da excelente obra que faz uma análisa à religião natural de Rousseau com base nos seus escritos: QUILICI, Alain & LA BALME, Denis. Pouquoi pratiquer quand on est croyant? Nouan-le-Fuzelier: Editions des Béatitudes, 2008. p. 22-38.
[4] FIORIN, José Augusto (org.). Op. Cit. p. 267.
[5] REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 19a. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 143.
[6] BAUBÉROT, Jean. La laïcité expliquée à M. Sarkozy et à ceux qui écrivent ses discours. Paris: Éditions Albin Michel, 2008.
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