Para poder favorecer um progresso integral, isto é, de todos os homens e do homem todo, os poderes públicos, sejam eles quais forem, – a Igreja aceita-os a todos desde que ordenados ao bem comum (CEC 1901) – devem respeitar valores que os antecedem e transcendem, conhecidos filosoficamente como pré-políticos. Ernst Wolfgang Böckenförde é da tese que o “Estado liberal secularizado nutre-se de pressupostos normativos que ele mesmo não pode garantir”, e desta forma tem de “recorrer a elementos éticos ou religiosos, culturais ou tradicionais, que são autónomos relativamente ao Estado”.[1]
Antes de se reduzir a política a uma mera questão de poder, seria preciso considerar o cargo como iminentemente ministerial, representativo e responsável. Tenha-se em conta que o poder que ele possui não lhe é próprio, mas foi-lhe confiado e vem de Deus (Jo 19, 4). Na medida em que ele está ao serviço de Deus e incita ao bem, todos se lhe devem submeter, pois faz parte de uma ordem querida por Ele (Rm 13, 1-7). Seja qual for o regime, este deve considerar-se um serviço, um colocar-se à disposição, na medida em que a nação é composta de cidadãos, homens, que têm de ser vistos enquanto tal, e não numa perspetiva numérica, económica ou estatística. Há que valorizar o fator humano, conforme lembrou a Caritas in Veritate: “Queria recordar a todos, sobretudo aos governantes que estão empenhados a dar um perfil renovado aos sistemas económicos e sociais do mundo, que o primeiro capital a preservar e valorizar é o homem, a pessoa, na sua integridade” (n. 25).
Além de se valorizar a pessoa humana, a autoridade deve ser exercida em função de todos, portanto, do bem comum, e não de interesses, sejam eles partidários ou de quem exerce o cargo público, para não se cair em desvios e na corrupção. O Dominicano Royo Marín prevê, para o legitimo exercício do poder, as seguintes condições:
- Com respeito ao fim, é preciso que o partido político se ordene ao bem comum de todos os cidadãos, sem subordinar jamais o interesse geral aos fins particulares do próprio grupo ou de alguns dos seus componentes.
- Com respeito aos meios, é preciso que se mantenham sempre dentro da legalidade, respeitando as leis justas, utilizando procedimentos honestos que não lesionem a verdade, a caridade ou a justiça, etc., e deixando sempre a salvo os direitos superiores de Deus, da pessoa humana, da família e da sociedade em geral[2].
Gabriel Chalmeta identifica alguns dos princípios de natureza objetiva ou pré-consensual que deverão nortear as autoridades, num conjunto de direitos e deveres que abrangem os cidadãos, enquanto integrantes do bem comum político, como o respeito pela liberdade e pelo princípio de subsidiariedade, de tolerância e de solidariedade[3]. Já o Papa João Paulo II apresentava na Centesimus Annus dois destes fundamentos para garantir um crescimento equilibrado e pleno do homem: O princípio de solidariedade e de subsidiariedade (n. 15).
Partindo das questões pré-políticas tanto do ponto de vista doutrinário quanto prático, seria inevitável contornar esta questão sem passar pelo contributo social que a Igreja tem a dar como modelo histórico e concreto, ao apontar constantemente a necessidade da Lei Divina se espelhar na ação concreta dos homens, aliás, laboriosidade que deve envolver todos os fiéis, as famílias, de modo a que, como ensina o Compêndio de Doutrina Social da Igreja, “as leis e as instituições do Estado não só não ofendam, mas sustentem e defendam positivamente os seus direitos e deveres” (n. 247).
Pe. José Victorino de Andrade
Artigo adaptado da tese de Mestrado do autor: Aportes de Igreja para um autêntico progresso: Da Populorum Progressio à Caritas in Veritate. Medellín: UPB, 2001. 178 p.
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[1] “[…] el estado liberal secularizado se nutre de presupuestos normativos que él mismo no puede garantizar. Esta tesis supone que el estado democrático no tiene en sí todos los elementos de su legitimidad sino que tiene que recurrir a elementos éticos o religiosos, culturales o tradicionales, que son autónomos del mismo estado”. (ARBOLEDA MORA, Para una hermenéutica de la Caritas in Veritate. In: Cuestiones Teológicas. Medellín. 36, No. 86 (Jul. – Dez.), 2009. p. 331).
[2] “a) Con respecto al fin, es preciso que el partido político se ordene al bien común de todos los ciudadanos, sin subordinar jamás el interés general a los fines particulares del propio grupo o de algunos de sus componentes. b) Con respecto a los medios, es preciso que se mantengan siempre dentro de la legalidad, respetando las leyes justas, utilizando procedimientos honestos que no lesionen la verdad, la caridad o la justicia, etc., y dejando siempre a salvo los derechos superiores de Dios, de la persona humana, de la familia y de la sociedad en general. (ROYO MARÍN, Teología moral para seglares. 7a. ed. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 2007. p. 830. Tradução minha).
[3] Cf. CHALMETA, Gabriel. Ética social: familia, profesión y ciudadanía. 2a. ed. Pamplona:o utilitaristas ou consequencialistasabrielocura do bem comum, proporcionar felicidade para ser feliz, Eunsa, 2003. p. 196-201. O autor da Universidade da Santa Croce defende na sua obra uma revalorização na sociedade de hoje de uma ética personalista, fundada nos valores clássicos e sobretudo cristãos. Baseia-se por vezes em Kant, mas não hesita em criticar e purificar a sua filosofia.
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