É uma tendência cada vez maior recorrer a certas pessoas, consideradas ‘especiais’, para procurar os mais variados auxílios espirituais. Começa muitas vezes com a curiosidade, desejo de prosperidade ou pretensão de conhecer coisas ocultas; outras vezes a pessoa com problemas é levada por uma falsa amizade até alguém com fama de ajudar os outros ou libertá-los das perturbações; tantas vezes é gente dilacerada pelo desespero diante de um drama, uma enfermidade, ou qualquer outra angústia. Entrando no local da consulta espiritual ou na casa de oração encontram-se frequentemente imagens de santos de péssima qualidade artística, fazem-se orações que até parecem católicas, uma alucinada interesseira simpática, com falsa aparência de mística, diz qualquer coisa que caberia em qualquer vida turbulenta e por vezes até acerta. Manda então fazer umas mezinhas julgadas eficazes para o mal concreto. Uma dispendiosa gratuidade que só começa por sê-lo nas primeiras sessões, complementadas por um cestinho à saída já com algumas notas altas, dando-se uma qualquer desculpa que é para ajudar a pagar a renda da casa. Por vezes a dita cuja poderosa frequenta a paróquia. Só faz o bem, dizem, até é católica e vai à missa, mandou-me rezar umas quantas missas, ou assisti-las com velas acesas, até uma oração me deu. Uma prática que se multiplica, a julgar pelo número de anúncios nos jornais de iluminados a oferecerem estas práticas e pelos relatos que nos chegam.
Não existe magia branca. Existe sortilégio, cartomancia, invocação de mortos ou espíritos, médiuns, forças do além ou energias, e sobretudo, muito charlatanismo. Infelizmente, nada disto é bom. O próprio Senhor, ao pedir para serem observadas as suas leis e mandamentos, lembra para não se praticar nem a adivinhação, nem a magia (Lv 19, 26). E sempre que o povo se entregava a essas práticas, provocava a ira de Deus (2Rs 21, 6; 2Cr 33, 6). Qualquer um desses atos ilícitos perante a lei de Deus, a não ser por parvidade de matéria (ignorância, condicionamento, ingenuidade…) redunda num pecado grave contra o primeiro mandamento do Decálogo, por ser contrário à virtude da religião pela qual realizamos aqueles legítimos “atos que nos põem em relação com Deus”.[1] De acordo com o catecismo, “a superstição representa, de certo modo, um excesso perverso de religião” (n. 2110), atribuindo-se “importância mágica a certas práticas” (n. 2111) e poder a objetos e atos, divinizando o que não é Deus, uma velha tentação. A magia e a feitiçaria nunca são legítimas, ainda que fossem para bem da saúde de alguém, nem os amuletos, “práticas ainda mais condenáveis quando acompanhadas da intenção de fazer mal a outrem ou quando se recorrem à intervenção dos demónios” (n. 2117). A invocação de forças ocultas é muito perigosa, e nunca mesurável pelo sucesso das mezinhas. Pode ser até que a pessoa descubra coisas que não poderia saber de outra forma, ou tenha um aparente sucesso na sua invocação. A obtenção daquilo que a pessoa deseja, por muito boas que sejam as suas intenções, não legitimam o pecado, da mesma forma que os fins não justificam os meios. Deus condena esta e outras práticas, e a Sua Palavra não deixa margem para dúvida: “Ninguém no teu meio… se dê a encantamentos, aos augúrios, à adivinhação, à magia, ao feiticismo, ao espiritismo, aos sortilégios, à evocação dos mortos, porque o Senhor abomina todos os que fazem tais coisas”. E a solução dada para não cair em tais práticas é uma: “Entrega-te inteiramente ao Senhor, teu Deus!” (Dt 18, 10-13).
A Bíblia revela-nos que Saúl chegou a procurar uma pitonisa (necromante) a fim de que esta chamasse Samuel de entre os mortos, o que é realizado com aparente sucesso pela mulher (1Sm 28). Sabemos, porém, como tudo isto desagradou a Deus e o fim trágico de Saúl que se segue a este episódio. Nos Atos dos Apóstolos (C. 8) encontramos o caso de Simão, o Mago, que gozava de grande prestígio pelos prodígios que operava, mas após a pregação de Filipe e a conversão do povo, Simão perdeu a influência e procurou então seguir os Apóstolos, interessado no seu poder. E chegou a oferecer-lhes dinheiro, dizendo: “Dai-me também a mim esse poder… Mas Pedro replicou: ‘Vá contigo o teu dinheiro para a perdição, pois julgaste comprar o Dom de Deus com dinheiro. Neste assunto, não tens parte, nem herança, pois o teu coração não é reto diante de Deus’” (At 8, 19-21). Até hoje, à prática de vender os bens espirituais, chama-se simonia. A falsa religião e a irreligião estão assim mancomunadas quando transformam práticas rituais em explorações comerciais. É preciso muita vigilância para não se cair em tais práticas aproveitadoras de mentes fragilizadas. Até mesmo dos velhos encardidos de antiga tradição, rezadeiras e benzedeiras a quem os locais e os emigrantes muitas vezes retornam.
Certo dia, São Francisco Marto, um dos pastorinhos de Fátima, entrou numa casa onde uma “benzilheira”, junto a uma mesa, “fingia que benzia inúmeros objetos de piedade”. Aquela “pobre mulher” convidou o pequeno, dada a fama do vidente de Fátima, a benzer com ela as coisas. O santo pastorinho foi perentório: “Eu não posso benzer… e vossemecê também não! São só os senhores padres”. Imediatamente, as pessoas dispersaram, entre insultos à dita senhora por estar a fazer o que não lhe competia. A simplicidade daquela santa criança, tinha dito tudo.[2]
P. José Victorino de Andrade
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[1] ÁNGEL FUENTES, Miguel. Revestíos de entrañas de misericordia. 5ª ed. San Rafael: Ediciones del Verbo Encarnado, 2007. p. 197.
[2] LÚCIA DE JESUS. Memórias da Irmã Lúcia. 17 ed. Fatima: Fundação Francisco e Jacinta Marto, 2015. p. 160-161.
Sábio São Francisco Marto disse isso numa época em que palavras de sabedoria eram valorizadas. Hoje certamente seria processado por assédio e tido por todos como um tipo intolerante…
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