Li recentemente, ao folhear um livro de filosofia política numa livraria, uma interessante advertência, realizada a partir de um texto de Locke, que chamava a atenção para os perigos relativos à religião, não a qualquer doutrina ou adesão a um Credo, mas o desconhecimento devotado às instituições que ligam o Homem a Deus (até de acordo com certa análise etimológica da palavra: religio; religo; re-ligar). Ao ler a excelente análise ao texto do empirista, surpreendeu-me reconhecer a assinatura do norte-americano John Rawls, professor de Filosofia Política em Harvard, que se por um lado aderiu filialmente a muitas doutrinas de Locke, pai do liberalismo, não é menos verdade que sempre antipatizou com as religiões, distanciando qualquer conceção metafísica do âmbito temporal. Entretanto, até um alérgico às religiões é capaz de concordar que a ignorância relativamente a elas, é pior. Ora, a ignorância, tanto do ponto de vista do desconhecimento, como do desinteresse acadêmico, constitui um perigo para a sociedade pós-moderna, na qual o pluralismo e a inclusão pede que não se exclua nada ou ninguém, nem mesmo a religião.
Quanto mais se favorece o desaparecimento da religião no curriculum escolar dos jovens e dos adolescentes, ou confiam-na somente à História – disciplina com fraca capacidade para instruir na matéria–, menor será a capacidade crítica e maior a permeabilidade a notícias sensacionalistas, de uma imprensa ávida de escândalos. A opinião relativa às religiões passa, por exemplo, a ser pautada pelos abusos de menores, no qual um sacerdote entre milhares comete um crime, e transmite, como se de uma doença contagiosa se tratasse, má fama a todos os outros que até são mais ou menos exemplares e idóneos. Na verdade, a ignorância em matéria religiosa começa a ser preocupante. “Afinal, o que faz um Papa?”, perguntou Fidel Castro ao Papa Bento XVI, no histórico encontro em Cuba, representando assim a cegueira de um povo com uma altíssima percentagem de não batizados e de ateus, não por opção, mas por negação e perseguição a qualquer Instituição que possa pensar por si e não estar condicionada ao Marxismo. É essa insipiência que condiciona um diálogo construtivo e coerente, marcado muitas vezes até por acusações estúpidas, que à semelhança de uma velha cassete, toca o mesmo refrão: A inquisição! Sem Deus não havia tantas guerras! A Igreja do obscurantismo! Disparates condicionados pela velha lengalenga putrefata do anticlericalismo republicano mentiroso de há cem anos atrás que teve a pretensão de acabar com o catolicismo em poucas gerações. Longe vão os tempos em que a Igreja discutia filosófica e teologicamente grandes temas, nas Universidades e nas Praças Públicas. Mas nestes tempos tão avançados, sempre as velhas acusações, cansam e baixam o nível de um debate demasiado fraco e sem nada de pertinente. Ora, é isto que é perigoso…
A Igreja corre o risco de encostar-se a um discurso morninho, de paz e de misericórdia, de amor e de perdão (essencial, sem dúvida, mas não excludente), e sem apologética ou rasgos de intervenção doutrinária, filosófica e social, teológica e moral, diante de um público cada vez mais ignorante em matéria religiosa. “Opórtet et haéreses esse” (1Cor 11,19), é importante que haja heresias e hereges, mas é importante a Igreja perceber igualmente que as heresias não estão a ser proclamadas por heresiarcas, mas estão presentes nas políticas, nas ideologias, nos mundanismos, na ignorância e no silêncio. O obscurantismo que tanta tinta fez correr e que tanto acusam a Igreja, ou a cesura da inquisição, é o comportamento votado hoje à Igreja. Os jovens vivem no quase absoluto obscurantismo relativamente às matérias religiosas. A educação religiosa é censurada nas escolas. Já quase não há instrução religiosa nos Colégios, nas Universidades, na Comunicação Social (que só se preocupa com os escândalos). Matéria religiosa, pretendem eles, só nas igrejas. Como se para aprender Português eu tivesse que entrar na Biblioteca, ou para entender de Físico-química tivesse de ir a um laboratório, ou para conhecer a História estivesse obrigado a visitar monumentos e museus… assim, querem reduzir o ensino religioso à Igreja.
Que a Igreja não se deixe amordaçar, nem privatizar, para ser sempre luz do mundo e sal da terra.