Desde os primeiros tempos que os homens procuram avidamente a verdade. Se bem que muitas vezes tivessem chegado a conceitos comuns, nem sempre concordaram nos critérios, e arriscaram posições num campo que parecia não transcender a semântica ou mesmo a lógica. Foi assim que muitos filósofos gregos da antiguidade começaram por procurar a verdade face à falsidade, à ilusão e à aparência. Aristóteles, por exemplo, é um dos intérpretes desta tendência: “Dizer do que é que não é, ou do que não é que é, é o falso: dizer do que é que é e do que não é que não é, é o verdadeiro”.[1] Mesmo Platão não fugiu muito a esta concepção: “verdadeiro é o discurso que diz as coisas como são; falso é aquele que as diz como não são”.[2]
Porém, esta perspetiva quase que meramente linguística e de correlação nunca satisfez plenamente a alma racional, que carecia de uma verdade absoluta que iluminasse todas as outras, e durante séculos a humanidade pareceu andar à deriva num mar de incertezas. “Quid est Veritas?” (Jo 18, 38) — questionava Pilatos a Nosso Senhor. Estava ali, frente a frente, o mundo Romano pagão, saturado de deuses e de divindades, e o próprio Deus feito carne, a desorientação e a dúvida filosófica do mundo antigo perante Aquele que é o caminho, a verdade e a vida (Jo 14, 6). A humanidade, até então envolta nas trevas da dúvida e da incerteza, encontrava nova vida e alento por Jesus, luz do mundo (Jo 8, 12).
Para o cristão, a Verdade absoluta, Deus, encarnou e fez-se homem (Cf. Jo 1, 14), possui um rosto — “Quem me vê, vê o Pai” (Jo 14, 9) — e um nome, não havendo debaixo do céu salvação em nenhum outro (Cf. At. 4, 12): Jesus — o Caminho, a Verdade e a Vida (Cf. Jo 14, 6). Esta é a grande novidade do cristianismo, um Deus pessoal que entra na História, que “se fez homem para que o homem se tornasse Deus”,[3] conforme expressão de Santo Agostinho, provavelmente recolhida de uma ideia já expressa em Santo Irineu. E quem melhor do que o Filho para dar a conhecer o Pai? (Cf. Jo 1, 18). “As visões dos grandes iluminados da história da religião, não passam de visões à distância, ‘em sombras e imagens’. Só Deus Se conhece inteiramente a Si. Só Deus vê a Deus. Por isso, só alguém que é Deus podia realmente trazer novas sobre Deus […] todos os outros apenas logram alcançar Deus à distância […], mesmo que possam apontar troços de estrada, não são o Caminho”.[4]
Apenas a Revelação poderia trazer uma verdade plena que orientasse os homens em sua peregrinação terrena e os levasse a um seguro conhecimento, tanto quanto possível a sua natureza limitada. Comenta São Tomás de Aquino que foi necessário Deus propor ao homem aquilo que excede o seu entendimento; assim, através das coisas mais nobres e elevadas, que lhe aperfeiçoam a alma, alcança pela Fé o que não captaria pela razão.[5] Coube então ao Filho a comunicação do que recebeu do Pai conforme o próprio Jesus atesta em sua oração sacerdotal: “Dei-te a conhecer aos homens que, do meio do mundo, me deste. […] Agora sabem que tudo quanto me deste vem de ti, pois as palavras que me transmitiste Eu lhas tenho transmitido” (Jo 17, 6-8). Jesus, Sabedoria eterna e encarnada, através de argumentos convincentes, de sua presença, e da verdade de sua doutrina e inspiração, manifesta-se visivelmente e confirma pelas obras a veracidade daquilo que excede o limitado conhecimento da alma racional.
Pe. José Victorino de Andrade
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[1] FERRATER MORA, José. Dicionário de Filosofia. Lisboa: D. Quixote, 1978. p. 291.
[2] ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 994.
[3] De Nativitate Domini, Sermo 128; ML 39. in: S. Th. III, q. 1, a. 2, s.
[4] RATZINGER, Joseph. A Caminho de Jesus: A Figura do Redentor. Coimbra: Tenacitas, 2006. p. 70-71.
[5]Cf. Summa contra Gentiles. V. 1. Cap. V.
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