A lei proveniente do Estado tem o dever de atender ao bem-estar e à ordem terrena. Porém, o homem é composto de corpo e alma, e por isso é necessária uma sociedade espiritual que o oriente para a eternidade: a Igreja. Uma sociedade, aliás, não meramente espiritual, mas também organizada hierarquicamente, terrena e visível. A fim de dirigir e governar os seus membros, esta também possui um conjunto de leis chamadas eclesiásticas ou canônicas.
Uma abordagem do direito canônico, enquanto ordenamento eclesiástico, leva-nos a algumas considerações históricas e particulares. Em primeiro lugar, deve-se ter em conta que ele influenciou e inspirou grande parte dos sistemas legais vigentes no Ocidente. Se bem que em dado momento da História tivesse havido um certo retorno ao direito e à cultura greco-romana, sobretudo com o advento do Renascimento e a promoção e influência dos legistas junto às Cortes, não há dúvida que o direito Ocidental deve muito à Igreja:
“O direito canônico foi o primeiro sistema legal moderno da Europa, e permitiu demonstrar que era possível compilar um corpo legal coerente e sofisticado a partir da miscelânea de estatutos, tradições e costumes locais frequentemente contraditórios com que tanto a Igreja como o Estado se confrontavam na Idade Média”.1
Além de estar na origem do desenvolvimento legislativo do Ocidente, pertence aos fundamentos do moderno sistema jurídico, e do direito criminal, baseado de certa forma na teoria da reparação de Santo Anselmo e na moral cristã que ensinou uma verdade tão básica quanto esta: Todo o homem é inocente, até prova em contrário.2 Também Miguel Reale considera que “tanto no momento da elaboração da lei, como no da sua aplicação e interpretação, a Moral intervém de maneira decisiva, sendo certo também que certas regras jurídicas não têm outra justificação senão a decorrente de regras morais, as quais, por sua vez, se apoiam ‘em uma certa concepção religiosa do mundo'”.3
Na medida em que o direito canônico ajudou a construir o moderno sistema legal, também hoje ele pode servir de referência pelas suas características e universalidade, iluminando e contribuindo com os demais legisladores e codificações legais.
Pe. José Victorino de Andrade
In: Gaudium Press (adaptado)
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1. WOODS JR. Thomas. O que a civilização ocidental deve à Igreja Católica. Lisboa: Atheleia, 2009. p. 12. O autor desenvolve este tema no capítulo 10 deste mesmo livro, sobretudo nas páginas 205-208.
2. Cf. Ibidem, p. 221.
3. REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 19 ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 488.
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