O que é o ser humano? Esta é uma pergunta que ocupa o pensamento dos filósofos há séculos. Ela sempre importou, pois toca diretamente em nós: a nossa origem, o nosso destino, em suma, o nosso ser e sua complexidade, questão particularmente difícil. Sócrates pretendia conhecer o homem a partir de si mesmo, Platão e Aristóteles arriscaram algumas definições, de certa forma incompletas. Diógenes procurava-o ironicamente, de lamparina na mão, à luz do dia, mostrando-se ávido de um encontro que o esclarecesse verdadeiramente. [1] No livro do Eclesiástico, Ben Sira transmite-nos esta demanda relembrada por cristãos e judeus: “que é o homem, e para que serve?” (Sir 18, 8).
Hoje, a questão continua em aberto. Talvez devido àquela insaciabilidade característica ao homem de todos os tempos. Com a presente crise metafísica, quanto mais se pensa ter encontrado uma resposta, mais esta parece levar a contradições, a novas perguntas, e a perder-se num emaranhado de suposições. Mondin sugere uma análise da própria vida humana, a fim de se chegar com autenticidade a uma compreensão do seu ser, pois uma característica do homo vivens é “uma vida consciente de si mesma”. Entretanto, o “seu verdadeiro significado pode ser colhido apenas descobrindo a finalidade para a qual é orientada”, portanto, a “finalidade última da vida humana”.[2]
Apesar da Antropologia Filosófica ter-se firmado somente no início do século passado, numerosos foram os aportes dos pensadores cristãos, da Patrística aos nossos dias, que recorreram a uma linguagem filosófica como ferramenta para as suas doutrinas. São Tomás de Aquino pensou o ser humano, neste âmbito, talvez como nenhum outro. Na Suma Teológica, não só situa o homem no vasto conjunto do Universo, como trata da relação de Deus com a criação: os Anjos enquanto criaturas puramente espirituais; o Mundo, criatura puramente corporal e, finalmente, o homem, ao mesmo tempo espiritual e corporal, criatura singular que reúne em si a totalidade do universo.[3]
Conforme a Gaudium et Spes, “a natureza espiritual da pessoa humana encontra e deve encontrar a sua perfeição na Sabedoria, que suavemente atrai o espírito do homem à busca e ao amor da verdade e do bem, e graças à qual ele é levado por meio das coisas visíveis até as invisíveis” (n. 15). Atenta e maternal, a Igreja continua a apontar para o absoluto do qual dimana o relativo, para um criador e um fim último, para o invisível que se fez visível, para uma felicidade possível, não plena, mas de peregrinos a caminho de uma “pátria melhor, isto é, a pátria celeste” (Hb 11, 16). Ensina-nos, enfim, que há uma Razão por detrás de tudo, ao contrário da irrisão e do acaso. [4]
Para a vida ter mais sentido, o homem descobrir-se, saber quem é ele e qual o seu fim, a Igreja tem sem dúvida um grande aporte.
Pe. José Victorino de Andrade
In: Lumen Veritatis n. 12 (Adaptado)
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[1] Reale parte deste episódio para interpretar a procura do filósofo: Diógenes não visava um homem comum e qualquer, até porque se locomovia nas ruas movimentadas de Atenas, mas sim aquele que vivesse conforme a “sua mais autêntica essência”, e em conformidade com “sua natureza mais genuína”. REALE, Giovanni. História da Filosofia Antiga. 4. ed. São Paulo: Loyola, 2006. Vol. III. p. 24.
[2] Para estas e outras considerações importantes do autor, recomendamos a leitura de MONDIN. Battista. O homem. Quem é ele?: Elementos de Antropologia Filosófica. 13. ed. São Paulo: Paulus, 2008. As citações presentes no texto estão nas páginas 60 e 61.
[3] Cf. TORREL, JeanPierre. Santo Tomás de Aquino: Mestre Espiritual. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2008. p. 304305. Aconselhamos a leitura do capítulo que nestas páginas se inicia, intitulado: “O homem em discussão”.
[4] Quanto a esta temática, o então Cardeal Ratzinger deixounos vários aportes em numerosas conferências. Ver, por exemplo, alguns de seus pronunciamentos, como as versões originais em alemão: Wer ist das eigentlich Gott?, hgrs. Von H.J. Schulz, München 1969, S.240f. Também em Dogma und Verkündigung, 4. Aufl. Donauwörth, S. 152156. Em português ver, por exemplo, Fé Verdade Tolerância: O Cristianismo e as grandes religiões do Mundo. São Paulo: Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência Raimundo Lúlio, 2009. p. 164166. Também um compêndio de várias alocuções sobre este assunto no Prefácio da obra Criação e Evolução: Uma Jornada com o Papa Bento XVI em Castel Gandolfo. Lisboa: UCE, 2007.
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