Ao longo de séculos, a Igreja teve um papel importantíssimo na construção da sociedade Ocidental. Ela criou as Universidades e os Hospitais; desenvolveu a farmacêutica baseada nos produtos naturais e que tanta procura voltou a ter hoje. Foi uma verdadeira mecenas em matéria de arte e cultura, conservou preciosas obras de arte e bibliotecas, desenvolveu o direito romano e a ideia de mercado, e a própria astronomia moderna deve-lhe muito do que sabe e tem hoje. Bastaria lembrar a importância que tiveram sacerdotes como: Francisco de Vitória, pai doius gentium, ou seja, do direito internacional, Nicholas Steno, pai da geologia, Athanasius Kircher, pai da egiptologia, Roger Boscovich, pai da moderna teoria atómica, ou mesmo os estudos da sismologia elaborados pelos filhos de Santo Inácio que fizeram com que lhe apelidassem de “Ciência Jesuítica” ou as cerca de 35 crateras lunares que levam o nome de matemáticos e astrónomos da mesma Companhia de Jesus, entres tantos outros.1
Por outro lado, muitos foram também leigos de convicções profundamente religiosas que estavam persuadidos que as suas investigações trariam contributos para desvendar o cosmos, mediante a perspetiva e o assombro do mistério de Deus e da sua criação, além da consciência de estarem verdadeiramente a promover o bem comum. Salientam-se nomes como: Louis Pasteur (1822-1895), Alessandro Volta (1745-1827), André-Marie Ampère (1775-1836)…2 O historiador John Bagnell Bury, lembra o diálogo entre Roger Bacon e o Papa Clemente IV, e o interesse deste Pontífice pelas ciências, o que permitiu uma reforma intelectual na época, ampliando e reformando os estudos nas Universidades, beneficiando inclusive os estudos teológicos e das Escrituras.3
Entretanto, muitos deliberaram um afastamento total entre a ciência e a religião. Na verdade, não há exclusão, completam-se, pois da mesma forma que a Bíblia não ensina como funciona o céu, mas como ir para o Céu, a ciência teria pretensões de querer desvendar todos os mistérios e satisfazer por completo todas as necessidades humanas se não contasse com uma contribuição fundamental que ela não é capaz de garantir por si. Por exemplo, o bem espiritual do homem, o esclarecimento da razão sobre a nossa existência, o nosso fim último, a vida, o sofrimento…
A ciência e a religião podem e devem mutuamente interrogar-se e complementar-se. A Santa Sé apoia e promove a Pontifícia Academia das Ciências, com cientistas de renome mundial envolvidos. Médicos e especialistas do mundo inteiro, até de outras religiões, recebem o processo de um suposto milagre para ver se a ciência ou a medicina tem alguma explicação para o facto. Arqueologistas perscrutam sólidos vestígios bíblicos entre a areia e a terra à qual chamamos Santa e sobre a qual caminharam os divinos pés do Redentor. Por outro lado, a religião poderá contribuir com um travão moral a todo o desrespeito pela vida e dignidade humana, com princípios e valores fundamentais para o homem não se ensoberbecer com uma aparente ilimitada capacidade que despreza e prejudica o meio para alcançar determinado e muitas vezes despótico fim. Conforme a Fides et Ratio:
No âmbito da investigação científica, foi-se impondo uma mentalidade positivista, que não apenas se afastou de toda a referência à visão cristã do mundo, mas sobretudo deixou cair qualquer alusão à visão metafísica e moral. Por causa disso, certos cientistas, privados de qualquer referimento ético, correm o risco de não manterem, ao centro do seu interesse, a pessoa e a globalidade da sua vida. Mais, alguns deles, cientes das potencialidades contidas no progresso tecnológico, parecem ceder à lógica do mercado e ainda à tentação dum poder demiúrgico sobre a natureza e o próprio ser humano (n. 46).
Pe. José Victorino de Andrade
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1 Acerca deste assunto ver WOODS JR, Thomas. O que a civilização ocidental deve à Igreja Católica. Lisboa: Atheleia, 2009.
2 Para outros nomes e informação detalhada acerca de cada uma destas personagens ver um esboço da tese de mestrado na Gregoriana do Pe. Eduardo Caballero em: Arautos do Evangelho. São Paulo. n. 95 (Nov., 2009); p. 37-39.
3 “[Bacon chief work, the Opus Majus,] was addressed and sent to Pope Clement IV, who had asked Bacon to give him an account of his researches, and was designed to persuade the Pontiff of the utility of science from an ecclesiastical point of view, and to induce him to sanction an intellectual reform, which without the approbation of the Church would at that time have been impossible. With great ingenuity and resourcefulness he sought to show that the studies to which he was devoted mathematics, astronomy, physics, chemistry were indispensable to an intelligent study of theology and Scripture”. (BURY, John Bagnell. The idea of progress. Fairford: Echo Library, 2010. p. 20).