Ao criar o homem, Deus infundiu nele uma sede de infinito, uma constante procura de felicidade e de verdade, tornando-o, por vocação, um ser religioso: “Anima naturaliter christiana” – escrevia Tertuliano no Apologético (n. 17). São João Paulo II nota que o homem pode ser definido como aquele que procura a verdade, não deixando nunca de ir ao seu encalço, ainda que feche os olhos para a realidade e procure fabricar a sua própria “verdade” subjetiva, inconsistente e contraditória (Fides et Ratio, n. 28.) Porém, esta limitá-lo-á uma felicidade transitória e ilusória, não possuindo a estabilidade e perenidade que fruem aqueles que a procuram no Senhor, pois apenas Ele abranda os desejos do coração (Sl 37, 4). Ao possuir em si o insaciável desejo do sobrenatural, o homem é convidado a sair do eu e procurar as verdades eternas.[1] Cumpre-se assim um desígnio de Deus ao querer que “todos os homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade” (1Tm 2, 4).
“Quid est Veritas?” – O que é a Verdade? (Jo 18, 38) – questionava Pilatos a Nosso Senhor Jesus Cristo. Estava ali, frente a frente, o mundo Romano pagão, saturado de divindades, e o próprio Deus feito carne, a desorientação e a dúvida filosófica do mundo antigo perante o Caminho e a Verdade, Aquele que com toda a propriedade afirmou: “Eu sou a luz do mundo” (Jo 8, 12). Para o cristão, a Verdade absoluta, Deus, incarnou e fez-se homem (Jo 1, 14), possui um rosto – “Quem me vê, vê o Pai” (Jo 14, 9) – e um nome, não havendo debaixo do céu salvação em nenhum outro (At 4, 12): Jesus – o Caminho, a Verdade e a Vida (Jo 14, 6). Esta é a grande novidade do cristianismo, um Deus pessoal que entra na História, que “se fez homem para que o homem se tornasse Deus”.[2] E quem melhor do que o Filho para dar a conhecer o Pai? (Jo 1, 18). Com efeito, escreveu o então Cardeal Ratzinger acerca desta passagem do Evangelho de São João:
As visões dos grandes iluminados da história da religião, não passam de visões à distância, ‘em sombras e imagens’. Só Deus Se conhece inteiramente a Si próprio. Só Deus vê a Deus. Por isso, só alguém que é Deus podia realmente trazer novas sobre Deus […] todos os outros apenas logram alcançar Deus à distância […], mesmo que possam apontar troços de estrada, não são o Caminho.[3]
Apenas a Revelação poderia trazer uma verdade plena que orientasse os homens na sua peregrinação terrena e os levasse a um seguro conhecimento, tanto quanto possível à sua natureza limitada. Comenta São Tomás de Aquino que foi necessário Deus propor ao homem aquilo que excede o seu entendimento; assim, através das coisas mais nobres e elevadas, que lhe aperfeiçoam a alma, alcança pela Fé o que não captaria pela razão.[4]
Jesus, Sabedoria eterna e incarnada, através de argumentos convincentes, da sua presença, e da verdade da sua doutrina e inspiração, manifesta-se aos homens, e para confirmar a veracidade daquilo que excede o limitado conhecimento da alma racional, recorre a obras que superam a possibilidade de toda a natureza – curas, milagres, ressurreições…[5] Coube ao Filho a comunicação do que recebeu do Pai conforme o próprio Jesus atesta na oração sacerdotal: “Dei-te a conhecer aos homens que, do meio do mundo, me deste. […] Agora sabem que tudo quanto me deste vem de ti, pois as palavras que me transmitiste Eu lhas tenho transmitido” (Jo 17, 6-8).
Pe. José Victorino de Andrade
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[1] Para Santo Agostinho “toda a verdade, enquanto verdade, é eterna; não há verdades temporais e mutáveis. Mas a fonte de toda a verdade é Deus, sem o qual não haveria verdades de nenhuma espécie. Portanto, as verdades eternas por si sós não seriam nem eternas nem sequer verdades; é mister que procedam de um foco que as engendre e as mantenha. As verdades eternas não podem ser apreendidas mediante e os sentidos, mas tão pouco mediante a razão apenas; são apreendidas pela alma quando esta se orienta para Deus e vê as verdades enquanto são iluminadas por Deus”. in: FERRATER MORA, José. Dicionário de Filosofia. Lisboa: D. Quixote, 1978. p. 295 (sublinhado meu).
[2] De Nativitate Domini, Sermo 128; ML 39. in: S. Th. III, q. 1, a. 2, s.
[3] RATZINGER, Joseph. A Caminho de Jesus: A Figura do Redentor. Coimbra: Tenacitas, 2006. p. 70-71.
[4]Cf. Summa contra Gentiles. V. 1. Cap. V.
[5] Cf. Idem. Cap. VI.
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