Seria um erro considerarmos a esfera temporal e espiritual como uma só, sobretudo pelos diferentes domínios que envolvem o Estado e a Religião, conforme afirmou Bento XVI em viagem à França: “Parece-me evidente que hoje a laicidade por si mesma não está em contradição com a fé. Aliás, diria que é um fruto da fé, porque a fé cristã desde o início era uma religião universal, portanto, não identificável com um Estado, uma religião presente em todos os Estados e diferente dos Estados. Para os cristãos foi sempre claro que a religião e a fé não estão na esfera política, mas colocam-se noutra esfera da vida humana… A política, o Estado não é uma religião, mas uma realidade profana com uma missão específica”.[1]
Várias vezes ele referiu-se à sã laicidade, quer na visita feita aos EUA quer na visita à França; E chegou mesmo a advertir, ainda que: “onde a política quer ser redenção, ela promete demasiado. Onde pretende fazer a obra de Deus, não se torna divina, mas demoníaca”.[2] Não quer isto dizer que o Estado não tenha um papel na sacralização da sociedade e que esse papel pertença exclusivamente à Igreja. “Ambas as realidades devem estar abertas uma à outra”.[3] De acordo com José Ferrater Mora, “Aristóteles foi o primeiro a afirmar que a sociedade organizada num Estado tem de proporcionar a cada um dos membros o necessário para o seu bem-estar e felicidade como cidadãos. […] Foi, contudo, S. Tomás que o esclareceu amplamente (SUMA TEOLÓGICA), ao afirmar que a sociedade humana como tal tem fins próprios que são “fins naturais”, que há que atender e realizar. Os fins espirituais e o bem supremo não são incompatíveis com o bem comum da sociedade como tal; pertencem a outra ordem. Há que estabelecer como se relacionam as duas ordens mas sem destruir uma delas”.[4]
Ora, cabe ao Estado a assistência aos fins naturais da sociedade humana, enquanto os fins sobrenaturais parecem pertencer a outra ordem. Porém, elas relacionam-se e não se devem repelir. A Igreja, reconhecendo todas as instituições que de alguma forma a auxiliam e se ordenam ao mesmo fim, procura a harmonia e aceita de braços estendidos a cooperação, para bem das almas, conforme afirmou João Paulo II: “Ao desempenhar a própria missão, de ordem espiritual, e sempre desejosa de manter o maior respeito pelas necessárias e legítimas instituições de ordem temporal, a Igreja nunca deixa de apreciar e alegrar-se com tudo aquilo que favorece a vivência da verdade integral do homem; não pode não congratular-se com os esforços que se envidam para tutelar e defender os direitos e liberdades fundamentais de cada pessoa humana; e rejubila e agradece ao Senhor da vida e da história, quando planificações e programas – de caráter político, econômico, social e cultural – são inspirados no respeito e amor da dignidade do homem, em demanda da ‘civilização do amor'”.[5]
E se este entendimento por vezes não existiu, não foi por desdém da Santa Sé em trabalhar por soluções conjuntas, mas porque estariam envolvidas questões que custariam ao Catolicismo uma transigência que jamais poderia aceitar, por serem contrárias à sua missão sobrenatural ou aos seus princípios mais básicos.
Pe. José Victorino de Andrade
VICTORINO DE ANDRADE, José. A Igreja e o Verdadeiro Progresso: Sacralização e Pleno Desenvolvimento no mundo contemporâneo. 17 f. Trabalho (Mestrado em Teologia Moral) – UPB, 2009. p. 7 e 8 (Adaptado).
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[1] Entrevista concedida pelo Santo Padre aos jornalistas durante o voo para a França, 12 de Setembro de 2008. Presente em http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/speeches/2008/september/documents/ hf_ben-xvi_spe_20080912_francia-interview_po.html. Último acesso em 23/02/2009
[2] Ratzinger, Joseph. Fé, Verdade, Tolerância. Traduções UCEDITORA: Lisboa, 2007. P. 105-106
[3] Idem.
[4] FERRATER MORA, José. Dicionário de Filosofia. Tradução de António José MASSANO; Manuel PALMEIRIM. Lisboa: Publicações D. Quixote, 1978. p. 30-31.
[5] Discurso do Papa João Paulo II aos Membros do Governo Português. 12 de Maio 1982
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