O conceito de uma justiça ou política independente da influência religiosa e de qualquer filosofia comprometida com a metafísica tem sido proposta por alguns, entre eles John Rawls.[1] Este filósofo político liberal alvitra mesmo a negação de uma verdade universal e de uma pretensão sobre a natureza e identidade essencial de pessoa.[2] Aparentemente, ao solicitar isto, ele não se levanta diretamente contra a Igreja e a sua proposta social, mas rejeita-lhe subtilmente a influência, reclamando para a sociedade civil valores que estão fortemente enraizados no Evangelho.
A Caritas in Veritate revelará um outro rosto da justiça, vinculada a valores como a solidariedade e a gratuidade, e adverte para uma tendência que reclama por uma resposta concreta: “Se, no passado, era possível pensar que havia necessidade primeiro de procurar a justiça e que a gratuidade intervinha depois como um complemento, hoje é preciso afirmar que, sem a gratuidade, não se consegue sequer realizar a justiça” (n. 38).
A realidade dos nossos dias revela as grandes dificuldades da política em construir a gratuidade, negando os alicerces religiosos, sendo eles que dão fundamento a uma despretensiosa e total entrega da pessoa, à semelhança de Cristo, e à caridade cristã, impulsionada pelo mandamento novo trazido por Ele. Diferentemente da caridade estóica que dá sem se compadecer para não ceder às paixões, Jesus trouxe algo totalmente novo, exigente, que nos pede uma transformação, uma conversão. Esta deve levar à prática de uma autêntica justiça, que deve caminhar lado a lado com a solidariedade e a gratuidade, a partir de uma Palavra que nos fala e renova, santifica e impele.
O Estado não pode simplesmente ignorar a Igreja, pois ele nunca será capaz de “produzir” o amor fraterno, mesmo ao pretender organizar a sociedade mais perfeita e mais justa[3]. A caridade, via mestra da Igreja, é a síntese de toda a lei (cf. Mt 22, 36-40). A Igreja poderá contribuir, assim, para iluminar e servir de exemplo para os demais sistemas, impulsionando o desenvolvimento integral do homem e o bem comum.
Pe. José Victorino de Andrade
Extraído e adaptado de VICTORINO DE ANDRADE, José. Aportes de Igreja para um autêntico progresso: Da Populorum Progressio à Caritas in Veritate. Licenciatura Canônica em Teologia com ênfase em Moral. Medellín: UPB, 2011. pp. 106-108.
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[1] “J. Rawls, el filósofo político probablemente más conocido del siglo XX”. (CHALMETA, Gabriel. Ética social: familia, profesión y ciudadanía. 2a. ed. Pamplona: Eunsa, 2003. p. 171).
[2] RAWLS, John. Justicia como imparcialidad: política, no metafísica. In: ÉTICA DEL SIGLO XX: Doce textos fundamentales. Ed. Carlos Gómez. 2. ed. Madrid: Filosofia Alianza, 2005. p. 187-188.
[3] 22ª Settimana Sociale dei cattolici trevigiani. Lunedì, 29 settembre 2008. “[…] anche nella società più perfetta e più giusta ci sarà sempre bisogno dell’amore fraterno. La società, ed anche lo Stato, hanno bisogno di una risorsa che essi non sanno produrre”. In: CREPALDI, Giampaolo. Dottrina Sociale della Chiesa e Diritti Umani, 29/09/2008. Disponível em: <www.vanthuanobservatory.org >. Último acesso a 15/12/2010.
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