
O Catecismo da Igreja Católica ensina que no Universo criado podemos observar vestígios do próprio Criador (n. 1147), facultando à inteligência uma relação entre as coisas visíveis com o invisível. Este contínuo apelo daquilo que nos rodeia Áquele que é a sua causa e sustento, leva o homem a sair de si para deixar-se surpreender e enlevar, através de experiências estéticas que lhe falam no mais íntimo de realidades superiores, metafísicas, transcendentais.
Napoleão, certa noite, interrompe uma discussão materialista entre soldados a fim de apontar as cintilantes estrelas do céu e questioná-los: “Vós podeis falar quanto tempo quiserdes, senhores, mas quem terá feito tudo isso?”.1 A ordem e complexidade do Universo levariam Newton, ou mesmo Voltaire, a afirmarem que não há relógio sem relojoeiro,2 reportando-se à necessidade de um Criador. Mesmo no secularismo que se vive hoje, encontramos um conjunto considerável de disposições que levam o homem a sair de si e a ter capacidade de maravilhar-se com os vestígios de Deus. Já São Tomás de Aquino fazia uma interessante reflexão ao considerar o 13º Capítulo do Livro da Sabedoria,3 servindo-se para isso da seguinte imagem:
“Se alguém indo a uma casa e desde a porta fosse sentindo calor e cada vez mais nela penetrasse e mais calor sentisse, evidentemente perceberia que havia fogo no seu interior, mesmo que não estivesse vendo o fogo. Acontece o mesmo connosco, ao considerarmos as coisas deste mundo. Todas as coisas estão ordenadas conforme diversos graus de beleza e de nobreza, e quanto mais próximas de Deus, tanto melhores e mais belas”.4
Vemos, desta forma, o quanto a beleza pode ser comparada a uma chama, e quem será insensível a este fogo? Este abrasa e arrebata, alça-nos a considerações salutares, tira-nos da nossa condição egoísta e materialista, especulação já feita por Platão, no Fedro, e não foi estranha a Santo Agostinho. O então Cardeal Ratzinger aproveitou os escritos de ambos para comparar o belo a uma flecha capaz de ferir o homem no seu íntimo, para desse modo “lhe conferir asas e o elevar às alturas”.5
Não será esta uma solução para o mundo materialista e relativista no qual vivemos? Não se apresentará à Igreja como um instrumento preciosíssimo, desde sempre ao seu alcance, quer através da Liturgia, quer através da arte sacra? Mons. Luigi Giussani já o reconhecia ao propor, certa vez nos seus exercícios: “Nós devemos pugnar pela beleza. Porque sem ela, não se vive. E esta deve ser a luta de cada um: senão, como faremos um dia para encher a praça de São Pedro?”.
P. José Victorino de Andrade
In: Lumen Veritatis, n. 10 (Adaptado).
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1 Cf. BOURRIENNE, Louis. Memoirs of Napoleon Bonapart. V.1. [s.l.]: Bibliobazaar, 1891. p. 327.
2 Ver FIORIN, José (org.). O pensamento humano na história da filosofia. Ijuí: Sapiens, 2007, p. 261. BANDET, François. Estará a ciência oposta à Fé? Lumen Veritatis, n. 6, jan-mar, 2009, p. 70.
3 Especificamente, as seguintes passagens: “Sim, insensatos são todos aqueles homens em que se instalou a ignorância de Deus e que, a partir dos bens visíveis, não foram capazes de descobrir Aquele que É, nem, considerando as obras, reconheceram o Artífice” (Sb 13, 1); “na grandeza e na beleza das criaturas se contempla, por analogia, o seu Criador” (Sb 13, 5).
4 AQUINO, Tomás de. Exposição sobre o Credo. 5 ed. São Paulo: Loyola, 2002, p. 27.
5 Publicado em 30 Giorni, n. 91 (2002). Messaggio al XXIII Meeting per l’amicizia fra i popoli. Rimini, 21 agosto 2002.
6 “Noi dobbiamo lottare per la bellezza. Perché senza la bellezza non si vive. E questa lotta deve investire ogni particolare: altrimenti come faremo un giorno a riempire la piazza San Pietro?” Esercizi a Varigotti, 1964. Apud FARINA, Renato. Ratzinger ricorda don Gius, «mio vero amico», Libero, 25 marzo 2007 (Tradução minha).
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