“Entre todos os seres animados, o homem é o único que pode gloriar-se de ter recebido de Deus uma lei: animal dotado de razão, capaz de compreender e de discernir, ele regulará o seu procedimento dispondo da sua liberdade e da sua razão, na submissão Àquele que tudo lhe submeteu”.1
Apesar de todos os seres terem recebido de Deus leis naturais, coube exclusivamente ao homem a lei moral e o livre arbítrio. É pelo instinto de sociabilidade a ele inerente2 que procura relacionar-se e viver em sociedade, excetuando-se alguns casos mais raros e particulares. Ora, esta vida comunitária traz para o ser humano um conjunto de direitos e deveres a serem tutelados e que devem regê-lo na sua convivência com os demais. Tal como afirma o antigo adágio: Ubi societas, ibi ius.
Daí a necessidade da lei, que de acordo com a clássica definição tomista é “a ordenação da razão para o bem comum, promulgada por quem tem o governo da comunidade”.3 Ou seja, de acordo com o Aquinense, ela não é nem pode ser contrária à razão, mas deve caracterizar-se por uma ordenação, e é neste sentido que estabelece normas e regras de conduta fundadas precisamente na ratio e não no arbitrium.
Porém, como se destina à comunidade, a lei não deverá ser fruto do simples querer do legislador, tendo um fim comum e não meramente particular, e por isto mesmo caracteriza-se pela obrigatoriedade desde que tenha em vista o bem de todos e o fim próprio a que se destina. Acresce a isto que a lei não descura a promulgação, ou seja, a sua publicação ou divulgação que deve sempre partir da autoridade competente.
Segundo Santo Isidoro, as leis têm uma real utilidade a fim de “servir de freio à audácia humana, tutelar a inocência daqueles que têm de conviver com os maus e coacionar, pelo temor do castigo, o poder danificador dos perversos”.4
Entretanto, a lei humana tem a sua fragilidade, necessitando de uma competente e constante atualização e adaptação às realidades adjacentes, conforme a Spe Salvi:
“Visto que o homem permanece sempre livre e dado que a sua liberdade é também sempre frágil, não existirá jamais neste mundo o reino do bem definitivamente consolidado. […] Consequência de tudo isto é que a busca sempre nova e trabalhosa de retos ordenamentos para as realidades humanas é tarefa de cada geração: nunca é uma tarefa que se possa simplesmente dar por concluída” (24-25).
Pe. José Victorino de Andrade
In: Lumen Veritatis, n. 13 (2010)
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1 TERTULIANO. Adversos Marcionem, 2, 4, 5: CCL I. 479 (PL 2, 315).
2 Cf. S. Th. I-II, q. 61, a. 5.
3 S. Th. I-II, q. 90, a. 4.
4 Apud FERNÁNDEZ-ALVAR, Constantino. La Ley. Barcelona: Labor, 1939, p. 87. (Tradução minha).
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