A Igreja sabe que o homem sem Deus sente um vazio dificilmente colmatável e que a vida social deve estar alicerçada em fundamentos morais que permearam e transformaram o mundo Ocidental e que se baseiam na Caridade e na Verdade. Trabalha para responder aos anseios mais profundos da humanidade, assim como às interrogações mais inquietantes da nossa existência e do nosso fim. Procura edificar um Reino de justiça e de paz, mas sabe que este mundo sujeito ao pecado não é a nossa pátria definitiva. Procura por isso colaborar com os poderes temporais para o bem comum, preenchendo aquele vazio relativamente àquilo que os transcende e antecede. O Estado estará a abusar do seu poder ao pretender materializar o homem e a sua finalidade sobre esta terra. Fazer uma doutrina ou agir-legislar a esse respeito excede a sua razoável competência. Também não tem a capacidade de ser salvação ou garantir a transição da felicidade relativa à absoluta, ou mesmo criar critérios de verdade neste campo. Por isso deverá estar aberto a quem o completa, pois não se preenche totalmente a si.
Entretanto, se o poder laico quiser ser a fonte absoluta da moral, corre o perigo de torná-la mutável, transitória e relativista, esmagando a seus pés princípios pré-políticos e instituições, e correndo sérios riscos de corromper a razão e a própria lei natural ao beneficiar terceiros, opiniões pessoais ou cores políticas. Desassociado daquelas instituições que dão sentido e resposta à vida humana extrapola os limites da sua competência e do respeito pela pessoa na sua integridade, impregnando a sociedade de filosofias morais populistas recentes, sem fiabilidade histórica comprovada, tais como o utilitarismo, que atenta contra a dignidade e a vida humanas ao basear-se em cálculos onde se somam felicidade e utilidade. Valoriza mais a repercussão que terá a despenalização de uma lei que de alguma forma coagia a concupiscência do que o valor da vida humana a fim de lucrar com a satisfação das massas e atrair as simpatias do eleitorado.
A partir do momento que a ética passa a estar desligada de uma referência que lhe transmita credibilidade, segurança e a necessária neutralidade, extrínseca a interesses, e passou a ser subjetiva, de acordo com o proveito político que a analisa, as matérias relativizam-se e passam pelas comissões com facilidade. É preciso enfrentar as grandes questões éticas com imparcialidade, em comunhão, diálogo e até certa tensão com quem sempre pugnou por elas. E neste ponto a Igreja tem algo a aportar, uma experiência que foi capaz de construir uma nova civilização inspirada na grande herança deixada por Nosso Senhor Jesus Cristo ao mundo: uma visão que parte do alto, cujo amor abrange o homem todo e todo o homem, valorizado e respeitado sempre como imagem e semelhança de Deus.
Pe. José Victorino de Andrade
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