Os ensinamentos de Jesus contêm uma incomensurável universalidade espacial e temporal, própria a fazer crescer na verdade e na caridade, e a oferecer resposta aos anseios de todos os homens, de todos os tempos e de todas as nações. D’Ele recebemos um apelo à vigilância (Mt 26, 41); tomamos consciência que a omissão constitui um pecado (CEC 1853) e a necessidade de atenção que se deve a todos os pequeninos (Mt 18, 10-14) na sociedade. As obras são fundamentais (Tt 3, 14; Tg 2, 14-17), devem ser feitas no amor e na verdade (1Jo 3, 18) em nome do Senhor Jesus (Cl 3, 17). A filantropia perece sem esta caridade (Heb 13, 1). “Se a caridade não está guiada pela verdade sobre o homem, converte-se em filantropia ou mero sentimentalismo” (Arboleda Mora, 2011b, p. 137)[1]. Não subsiste. Não tem eficácia.
Ao longo da história muitos Impérios temeram um poder que os ofuscasse ou enfraquecesse a autoridade, não percebendo que deixando-se purificar pela Igreja, o poder espiritual somar-se-ia ao temporal, não lhe retirando o que é próprio, mas elevando-o e confirmando a sua autoridade conforme as coisas ordenadas segundo Deus. Privando-se dessa influência, e afastando-se dela, dificilmente os pagãos conseguiam imitar as práticas cristãs, sobretudo em questões de caridade. Por exemplo, Juliano, o apóstata, na segunda metade do século IV, tentou equiparar o cristianismo ao culto dos deuses e institucionalizar algumas das práticas sociais cristãs, a fim de mostrar que o Império poderia desempenhar um papel semelhante àquele que cabia de forma eficiente e inovadora à prática cristã da caridade (Llorca, 2005). A consequente perseguição aos cristãos não tardou. Mas as suas ações acabaram privadas de competência e durabilidade ignorando a perenidade das coisas que pertentem a Deus, e a fragilidade das que pertencem aos homens, conforme conhecida sentença de Gamaliel (Act 5, 38-39). Frustrado e vencido pelo “Galileu”, mais do que pelas flechas dos persas, Juliano sairia desta vida à semelhança das suas obras. Aqueles que derramariam o sangue nas perseguições dariam forte testemunho, “o mais forte argumento das exigências que impõe no cristão o respeito absoluto pela lei divina quando entra em conflito com alguma lei humana injusta” (Ángel Fuentes, 2005, p. 235)[2].
O Compêndio de Doutrina Social nota que a Igreja não vê com maus olhos a democracia, onde todos os homens e mulheres estão chamados à participação e coresponsabilidade. E vê na caridade o elemento que ilumina os católicos a fim de conviverem com a política, procurando a justiça e a edificação do bem comum. A demanda pelo bem comum sendo animada pela caridade, possui uma eficácia maior. A plena fraternidade é inalcançável sem um Deus amor, do qual brota o princípio da alteridade, e de uma fraternidade construída de modo global, sem exclusão. Por isso a caridade deve envolver e vivificar o contexto político, económico ou social. E esse é um generoso aporte da Igreja à sociedade temporal.
Pe. José Victorino de Andrade
Elementos extraídos e adaptados de: Aportes da Igreja à construção de uma sã laicidade. Tese de doutorado em Teologia. Medellín: Universidade Pontifícia Bolivariana, 2013.
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[1] “La Caritas in Veritate que indica que la caridad si no está guiada por la verdad sobre el hombre, se convierte en filantropía o mero sentimentalismo” (tradução minha) .
[2] “El testimonio de los mártires es el más fuerte argumento de las exigencias que impone en el cristiano el respeto absoluto por la ley divina cuando entra en conflicto con alguna ley humana injusta” (tradução minha).
Referências
Arboleda Mora, Carlos. (2011b). Experiencia y testimonio. Medellín: UPB.
Ángel Fuentes, Miguel. (2007). Revestíos de entrañas de misericordia (libro de Teología Moral). 5a. ed. San Rafael: Verbo Encarnado.
Llorca, Bernardino. (2005). Historia de la Iglesia Católica. 6a. ed. Madrid: BAC. Vol. I.
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