Sonhei o mundo e a Igreja sem o Pecado Original, e acordei com o pesadelo

Primeiros paisNão é segredo que alguns professores da Universidade Católica têm certa alergia à doutrina da Igreja sobre o Pecado Original. A prova disso, é o lançamento de um livro que nega esta verdade de fé ou acaba por reduzi-la a uma invenção agostiniana.* O que é facilmente refutável, e já o fiz neste site, sem qualquer resposta de qualquer colega doutor em Teologia.[1] Também alguns seminaristas já se queixaram da impossibilidade de professarem esta verdade sem serem coagidos e até mesmo admoestados pelos seus professores. Ora, a Sagrada Escritura, o Magistério – inclusive recente – e a Tradição da Igreja, desde os primeiros Padres, sempre atestaram a existência do pecado dos nossos primeiros pais. Conforme o Catecismo, “depois de São Paulo, a Igreja sempre ensinou que a imensa miséria que oprime os homens, e a sua inclinação para o mal e para a morte não se compreendem sem a ligação com o pecado de Adão e o facto de ele nos ter transmitido um pecado de que todos nascemos infetados e que é ‘morte da alma’” (n. 403). Parece a alguns que imaginar um mundo sem o Pecado Original seria o melhor e mais favorável, ou mais em sintonia com os autores modernos e o espírito mundano. Seria uma espécie de concessão ao mundo, para aliviar as consciências que já são laxas. Entretanto, imaginar a Igreja e o mundo sem a doutrina do Pecado Original, traria sérias e graves consequências às sociedades ocidentais que têm as suas raízes na tradição judaico-cristã. Faço, com o meu caro leitor, um pequeno exercício. Sonhemos a Igreja e o mundo sem o Pecado Original…

– Pobre Pai, que na sua criação, passa então a ser o responsável pela desordem no mundo e nos homens tendentes ao mal. Se a iniquidade presente no mundo não vem do pecado dos nossos primeiros pais, então, o homem deixa de ser responsável pelos males. Deus passa a ter criado as coisas imperfeitas e desordenadas, deixando de ser Bom e Todo Poderoso. O homem passa a ser vítima de Deus e de uma criação mal feita. Revoltam-se, por isso mesmo, os homens com Deus, pelas guerras, doenças, catástrofes, crimes e toda a espécie de males. Sem o pecado original, a culpa dos homens passa para Deus que nos criou assim;

– Pobre Cristo, que se encarnou não para Redimir o género humano, uma vez que perderia todo o sentido morrer para resgate de muitos, mas como um líder incompreendido, perseguido e humilhado na morte de cruz. Jesus é restringido a um líder natural, não mais o Novo Adão, pois se pelo velho não entra o pecado no mundo, então o Novo Adão deixa de trazer a Salvação. Sem pecado, não há Redenção, pois nada haveria para Redimir. Jesus passa a ser um utópico, como poderia ter sido Marx ou Lenine, que sublevava o povo contra a opressão do poder e das normas legais. Um líder, político, filosófico e religioso incompreendido e assassinado barbaramente. Nada mais.

– Pobre Espírito Santo, ofendido naqueles que negam a verdade conhecida enquanto tal, por aqueles que deveriam ser seus defensores e dóceis ao Espírito da Verdade;

– Pobre Virgem Maria, a Imaculada, Padroeira de Portugal, venerada e ornada em tantos altares. Se no passado os Doutores formados em Coimbra juravam fidelidade à defesa da Imaculada, ainda que com isso viessem a perder a sua vida, os doutores de uma Universidade dita Católica decidiram tirar a Nossa Senhora essa prerrogativa, pois Ela não pode ser preservada do Pecado Original, se para esses energúmenos o Pecado Original não existe. Lourdes e a identificação da Senhora como a Imaculada passa a ser um embuste, Fátima também, vamos dar novos nomes às imagens com a lua a seus pés e mudar a Padroeira de Portugal de Vila Viçosa, e também a de Braga, Sameiro, pois a Imaculada deixa de ser privilégio Dela, pois ninguém pode ser preservado daquilo que é um mito. Cai o dogma por terra, e a devoção da nossa nação…

– Pobre Bíblia, Catecismo e Patrologia latina e oriental, pois veríamos suprimidas muitas das suas páginas, e empobrecidas as suas edições. Teríamos de arrancar, à semelhança do protestantismo, livros inteiros, para satisfazer as novas ambições (ou invenções) humanas; pobres cristãos que lutaram contra a heresia pelagiana e vêem regressar oficialmente numa Universidade Católica aquilo que os doutores e santos refutaram.

– Pobre Igreja, despojada nos Sacramentos, naquele que é a porta dos demais, o Batismo, pois perderia todo o sentido lavar de uma mancha que ninguém possui, e os sacramentos acabariam por cair todos por terra. Sem brotarem do lado trespassado do Redentor, apenas da ferida da injustiça, e sem a necessidade do homem nascer de novo pela água e pelo Espírito, o primeiro nascimento dos imaculados passa a ser suficiente, sem a necessidade do batismo dos infantes por não possuírem o tal Pecado Original, que para alguns é um mito. A manter o Batismo, seria um cerimonial de iniciação, tão somente, como pode haver na maçonaria ou na feitiçaria;

– Pobre mundo ocidental, pois deixa de compreender, conforme o Catecismo, o sofrimento, o mal e a morte, tal como a “imensa miséria que oprime os homens” (CEC 403). Não admira que muitos estejam a beber no panteísmo oriental, doutrinas sobre o bem e o mal, que aos cristãos foram Reveladas, mas estão a ser abandonadas por alguns na Igreja. Não adianta explicar certos fenómenos hodiernos de maneira naturalista e sem referência a essa falta de obediência à vontade de Deus e ao mau uso da liberdade que foi dada aos homens, mas através de uma verdade esclarecida à luz da Revelação Divina (CEC 387).

– Pobre homem, pois se nasce perfeito, sem a inclinação para o mal, os desvios morais estão justificados, tudo nele é bom e ordenado, quanto muito a sociedade é que o corrompe. Ele passa a ser o imaculado, sem a mancha do pecado. O homem nasce então deificado,  sem pecado, sem necessidade de um Deus perfeito, se perfeita é a criatura. Assim, para quê Cristo, a Igreja, os sacramentos… Se o homem é autossuficiente, e se as suas feridas são naturais, de dentro da natureza virão os meios para sanar-se. A ciência passa a ser cura, deus e salvação.

Pobres e empobrecidos somos todos nós com tais doutrinas. Imaginar um mundo sem o Pecado Original, para mim transformou-se num pesadelo. Começo a ficar com nostalgia do Precónio Pascal, onde se canta a feliz culpa dos nossos primeiros pais que nos fizeram merecer um tão grande Redentor. Por vontade da Universidade Católica, esse belo hino da nossa Igreja, no futuro, desaparecerá… desaparece o reverso da Boa Nova da Salvação, conforme o Catecismo: “A doutrina do pecado original é por assim dizer ‘o reverso’ da Boa Notícia de que Jesus é o Salvador de todos os homens, de que todos têm necessidade da salvação e de que a salvação é oferecida a todos graças a Cristo. A Igreja, que tem o senso de Cristo, sabe perfeitamente que não se pode atentar contra a revelação do pecado original sem atentar contra o mistério de Cristo” (n. 389). Negar o Pecado Original, é pois, atentar contra Cristo, Maria, a Igreja, a humanidade. Que se levantem os portugueses onde o dogma da fé jamais acabará, conforme promessa de Nossa Senhora em Fátima, que se indignem tantos que na Imaculada têm como Mãe e Padroeira, que a defendam aqueles que são filhos da Igreja. Leigos e clérigos, não nos calemos diante de tamanha crueldade e injustiça, daqueles que negam o Pecado original!

P. José Victorino de Andrade

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* Quanto ao livro que nega o pecado original lançado pela Universidade Católica, ver: https://agencia.ecclesia.pt/portal/evento/publicacoes-padre-armindo-vaz-lanca-livro-criacao-divina-sem-pecado-humano/

[1] Quanto ao meu artigo que responde às dúvidas teológicas com a Sagrada Escritura, a Patrologia e o Magistério recente da Igreja, ver: https://aportesdaigreja.com/2018/08/23/o-pecado-mais-ignorado-pelos-homens/

6 thoughts on “Sonhei o mundo e a Igreja sem o Pecado Original, e acordei com o pesadelo

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  1. Sr. Padre,
    Como lamento o seu artigo. O Prof. Armindo Vaz é um ilustre professor de Sagrada Escritura, um grande estudioso e que baseia as suas obras em estudos por si efetuados. Os livros não são apenas um título, mas sim um conteúdo apresentado, explicado, defendido e concluído. Caso contrário, não seria aos anos que é professor da ilustre Universidade Católica, na Faculdade de Teologia, não teria a apresentação do livro que refere a voz do Prof. Doutor João Lourenço, biblista, doutorado em Jerusalém, nem a sua vasta obra literária sobre os primeiros capítulos da Bíblia estaria publicada e publicitada pela própria Universidade. É preciso entender este livro como um todo da sua investigação, sem esquecer que o Prof. Armindo Vaz é professor catedrático e que a sua defesa tem exatamente a ver com os mitos de origem, que ele defende.
    Sr. Padre, a fé cristã deve ser uma fé esclarecida e elucidada. A defesa feita pelo Prof. Armindo Vaz em nada contraria o Dogma da Imaculada Conceição. Sr. Padre, os dogmas defendidos sem explicação coerente para os fieis informados só faz com que estes se afastem da Igreja, que em vez de proclamar o imenso amor de Deus pelos seus filhos, está preocupada em salientar o pecado e as proibições do mundo para se viver Deus. Se assim continuarem Sr. Padre a Igreja fica despida de fieis que não querem viver a espiritualidade do medo e da proibição para querem uma espiritualidade sedimentada no amor ou não fosse o símbolo do cristão a CRUZ DE CRISTO!

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    1. Recomendo ler o catecismo, números 380 a 409. Também a argumentação do Beato Duns Scoto que assenta no Pecado Original para justificar a isenção de Maria, proclamada a Imaculada, não por ter sido preservada de um mito, mas de algo que sempre foi uma verdade de fé. Eu também sou doutor e professor, mas não é por isso que tenho o direito a esculambar a doutrina da Igreja, sobretudo as verdades da fé, cujo juramento de fidelidade à Igreja me impedem de contrariar… Não sou idoso como esse professor que deve ser respeitado, mas é a nossa Igreja, com mais idade, a tradição e o magistério, que devem ser acolhidos e muito mais respeitados. Se ele lança um livro de 200 páginas a contrariar a Igreja, porque eu que sou doutor também, não posso defendê-la? A doutrina não pode ser pensada e discutida? Não é isso que defende? Recomendo alguns artigos meus, para perceber como uma Universidade e um padre não podem defender doutrinas contrárias às verdades da fé, sobretudo no ensino, e em público, tal como a publicação de um livro. Vai aproveitar ler, e saber que conselhos deu o Papa Francisco à nossa Universidade Católica… Eu, estou do lado do Papa.

      O Papa Francisco, na Veritatis Gaudium, apela a uma vida coerente de quem ensina. O Art. 26 do Documento, nas Normas Comuns (I Parte), lembra que:

      1. Todos os professores, seja qual for a sua categoria, devem distinguir-se por honestidade de vida, integridade de doutrina e constante dedicação ao desempenho do cargo, para que assim possam contribuir eficazmente para se conseguirem os objectivos próprios da instituição académica eclesiástica. Quando venha a faltar um destes requisitos, os docentes devem ser removidos da sua missão, observando o procedimento previsto (cf. can. 810 §1 e 818 CIC).
      2. Aos professores que ensinam matérias respeitantes à fé e aos costumes, é exigido que estejam conscientes de que este múnus deve ser exercido em plena comunhão com o Magistério autêntico da Igreja e, sobretudo, do Romano Pontífice

      É oportuno ainda lembrar alguns pontos do discurso do Santo Padre, o Papa Francisco, dirigido especificamente à Universidade Católica Portuguesa:

      – Que aí não se olhem os graus universitários como sinónimos “de maior posição”, de “mais dinheiro” ou “prestígio social”;

      Que se mantenha “católica” para recordar “a verdade integral do Evangelho sobre o homem e o sobre o seu caminho moral”;

      Que os Docentes se lembrem que por detrás deles “fala uma comunidade crente, na qual, durante os séculos da sua existência, amadureceu uma determinada sabedoria da vida; uma comunidade que guarda em si um tesouro de conhecimento e de experiência ética, que se revela importante para toda a humanidade” e que sejam testemunhas “da validade de uma razão ética”;

      Que o “dogma da fé” que Nossa Senhora disse em Fátima que não desapareceria em Portugal tenha a devida contribuição da Universidade Católica Portuguesa.

      In: https://aportesdaigreja.com/2018/07/28/para-uma-universidade-catolica-ser-catolica/

      Ver também sobre o juramento de fidelidade de um sacerdote e se ele pode contrariar o Magistério: https://aportesdaigreja.com/2018/07/01/um-padre-pode-ensinar-doutrinas-diferentes-e-contrarias-as-que-ensina-a-igreja/

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  2. Pobres filhos desta Igreja, resgatados de seitas que blasfemam impropérios a tudo o que é dogma de fé desta Santa Igreja. Felizes e animados pelo Espirito que os consola e encoraja a continuar em luta pela santidade, comendo as suas palavras, lavando assim a sua mente de todas as doutrinas falsas que lhes foram ensinadas, estão (estou) mas tão triste, com tudo o que certos membros desta maravilhosa Igreja fazem, dizem e insistem em querer ensinar aos filhos de Deus. «Com Deus não se brinca» estas palavras foram-me ensinadas para contrariar os fiéis desta Igreja. Pois…agora digo com a coragem que me inspira o Espírito Santo aos senhores que brincam aos teólogos «COM DEUS NÃO SE BRINCA».

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  3. Pe. Jose. Aprendi, pelo pecado original, o quanto as ideologías nao deixam perseber belezas. Por muitos anos, mesmo rodeadas das Divinas Graça, presenciei os cansativos murmurios das insinuações que queriam formar idéias. Uma tortura psicológica revestidas de brincadeiras rotineiras… Era a tal desconstrução para construir por sugestão…
    Bem… Já passou… E com isso descobri…
    Acredito que Jesus ensina exatamente isso durante o calvario Dele naquela Cruz. Cristo tinha consigo toda a Beleza Pura do Deus Pai, mas os ruidosos seres humanos não o deixavam ouvir… Ele fez o Silêncio em meio a tantos que não.
    Escrevo como um mínimo que se pode imaginar a dificuldade que continuará a existir em encontrar belezas… Mesmo que queiram esconder o pecado original com a Criação de Deus Vivo, o ser humano não consegue por essência… O Único Humano Capaz de trazer a Paz Genuínai é Jesus Cristo. E Ele, poucos ouvem…

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  4. Concordo inteiramente com a sua opinião, tive o cuidado de procurar a obra do Padre Armindo Vaz nas livrarias, e fiquei estarrecido, tristes tempos em que a vaidade intelectual é fonte de interpretação da Bíblia. Um muito bem haja pelos seus artigos.

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