No outro dia estava de passagem por uma igreja de Lisboa a fim de presidir à celebração eucarística. Ao dirigir-me à sacristia, fui abordado por um senhor que pedia confissão. Uma vez que não conhecia a prática naquela igreja, onde estaria o confessionário, se o respetivo Pároco autoriza habitualmente outros padres a atenderem, precisando até da estola e da alva para tal, pedi apenas para o senhor falar com o sacristão, responsável pelo templo na ausência do seu Pároco, a fim de verificar essa possibilidade. Pouco depois, notei que o indivíduo, algo transtornado, estava a levantar a voz e a ser extremamente indelicado com o colaborador. Na verdade, o homem estava incomodado por ter de pedir tal coisa a um jovem moreno estrangeiro, o sacristão de serviço, sendo bastante desagradável com ele apesar do nosso cordato e charmoso brasileiro ter sido muito educado, e colocar-se até a um canto acabrunhado com os desaforos. Foi então que decidi intervir, dizendo que não aceitaria na igreja, nem racismo nem xenofobia, e o modo como estava a maltratar aquele jovem colaborador não revelava as mínimas disposições para uma confissão. O homem, terrivelmente perturbado, de tal modo que nem descobria a porta, saiu entre protestos. Só que regressou mais tarde, dizendo que faria uma queixa ao Patriarca de Lisboa, por discriminação a ele, um idoso (apesar de aparentar menos de 60 anos). Estava a discriminar o sacristão, pela pigmentação da pele e a nacionalidade, e voltou para queixar-se que tinha sido discriminado. Pensei então com os meus botões: este caso vale bem um artigo…
Ao ponderar um pouco sobre este episódio, vejo como as ideologias extremistas (entre elas o marxismo cultural, pois o impenitente da história logo se identificou como sendo do teatro e das artes), doutrinaram as mentes de tal modo que facilmente os infratores passam de agressores a vítimas. Fazem toda uma balbúrdia, levantam a confusão, e quando se avança para colocar ordem, fazem-se de pobres coitados, como um desordeiro diante do polícia de choque que agita o seu cassetete após a destruição e a violência dos baderneiros. Hoje, para a vitimização de alguns, que interessam à ideologia, usa-se o chavão da discriminação, modo através do qual alguns extremistas levantam as suas bandeiras relativas a questões que bem poderiam fazer parte de certa injustiça social, mas que não se resolvem com politizações que visam manipular as minorias desfavorecidas. Instrumentalizam os pobres injustiçados, tornando-os “idiotas úteis”, qualificação típica de Gramsci e que tanto lhe aprazia para caracterizar os seus prosélitos revolucionários, amorfos, obedientes e intransigentes. Mas como as minorias são sempre minorias, é preciso aglutiná-las e coordená-las para começar a formar maiorias revolucionárias, as massas tão apetecidas aos especialistas das lavagens cerebrais das pequenas grandes multidões. E nunca faltam na sociedade os discriminados, geralmente desocupados, com tempo para manifestações e confabulações, vociferando em questões tão variadas como o sexo, idade e nacionalidade, raça e etnia, género, cor, identidade… Junto aos chacais políticos, esticam faixas de cores sanguinolentas com o pedigree do partido de uma peculiar ideologia política aproveitadora e extremista. E em vez de se procurar através dos meios legais e dos respetivos serviços governamentais a reposição da ordem e da justiça, as televisões e os jornalistas, outros “idiotas úteis” (no sentido dado por Gramsci), preocupam-se logo com a propaganda sensacionalista, causando impacto na opinião pública e colocando na ribalta os agentes políticos da revolução. Juntam-se logo os microfones em torno de eminências tão pardas quanto parvas…
À custa de tanta politização das minorias discriminadas, tornaram-se uma maioria reivindicativa, mediática, que possui cada vez mais peso legal e político. Com tantas minorias a tornarem-se maiorias, queixam-se agora de forma até algo caricata e surpreendente a classe média em geral, os homens e mulheres heterossexuais, aqueles que cumprem as obrigações tributárias, os patrões e as empresas, as famílias bem constituídas e as pessoas honestas e trabalhadoras. Sentem o peso dos impostos, a falta de apoio dos poderes instituídos, a falta de correspondência dos poderes públicos em matéria de saúde e educação, e a insegurança diária. Não têm a seu favor ONGs, associações LGBTI, leis, privilégios, direitos humanos, mediatismo, proteção, consideração e atenção quer do governo quer das políticas e dos políticos. São discriminados pela máquina estatal e ideológica que os governa. Sentem-se desamparados e desapoiados no meio de tantos discriminados privilegiados. De fato, governar uma nação e elaborar leis baseando-se na instrumentalização da discriminação, revela que não é a justiça social que é a visada, mas o mediatismo político. Quanto aos verdadeiros pobres, a revolução não sabe o que é a gratidão, usa-se dos desvalidos e eles continuam oprimidos… E como aqueles que falam muito são geralmente os que fazem pouco, os famintos e desprotegidos nada recebem do partido político, a não ser uma boa lavagem cerebral de promessas, lutas e reivindicações, e talvez um lanche durante o comício. Afinal, as ideologias, não procuram a justiça social, mas a propaganda eleitoral. Não são os injustiçados os visados, mas os manipulados. Os tais “idiotas úteis”… E os verdadeiramente necessitados lá continuam a depender das obras sociais, a maior parte delas pertencente à Igreja, que alimenta o fraco e o oprimido sem grande alarido nem desejo de protagonismo…
P. José Victorino de Andrade
“À custa de tanta politização das minorias discriminadas, elas tornaram-se uma maioria reivindicativa” infelizemnte!
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