É fácil dizer que um artigo em defesa da Igreja está a atirar pedras ou a fazer juízos… é até a acusação mais primária e infantil de quem muitas vezes não tem argumentos fortes para refutar, e então puxa o tapete ao redator do artigo, e para fazê-lo, consegue até algumas citações bíblicas, descontextualizadas… como se os Profetas não tivessem a vocação de incomodar as autoridades orgulhosas e os desvios na fé, e como se em Nosso Senhor Jesus Cristo não tivéssemos o apologista por excelência. Qualquer diálogo com os sacerdotes, fariseus, doutores da lei, herodianos revela truculência nas palavras de Jesus perante o erro, a falsidade e a hipocrisia… mas não só nas palavras, também nas atitudes e gestos, quando manifesta o zelo pela casa do Pai, o Templo, ao expulsar os vendilhões com um chicote tecido por Ele mesmo, ou na séria advertência a quem blasfema contra o Espírito Santo, o Espírito da Verdade, que não terá perdão (Mt 12, 31). O testemunho dos Apóstolos, que incomodavam com a suas palavras, levou ao derramamento do seu sangue e consequente martírio. São João combateu os gnósticos. Os padres da Igreja, desde os primeiros tempos, foram apologistas e escreveram obras onde defendiam a doutrina dos Apóstolos. Hoje, o apologista que defende a Igreja é acusado de atirar pedras… Como se ele não estivesse a devolvê-las a quem as atirou primeiro contra a Igreja. Ou como se aqueles que atacam a doutrina e o catecismo fossem todos bons rapazes que apenas estão a plantar no campo da Igreja e malandro é quem os denuncia de semear o joio junto ao trigo.
Do ponto de vista natural, é compreensível um teólogo defender o Catecismo como um matemático defenderia o seu conhecimento contra quem colocasse o teorema de Pitágoras em questão. A verdade conhecida enquanto tal, até prova em contrário, e até aceitação padronizada e universal, reconhecida e promulgada pela autoridade competente, poderá até ser colocada em causa por poucos, e com maior razão defendida por muitos. Do diálogo pode ser que surja algo novo. Ou que se reafirme e saia mais forte a conceção já existente. O diálogo deve, entretanto, aportar à verdade, mas esta não se encontra na immixtio dos elementos contrastantes, mas na identificação da verdade objetiva e antecedente a que o diálogo deve chegar.[1] A novidade não obriga à mudança, apenas à reflexão. E como os modernos considerar-se-iam menos modernos se não criticassem os antigos, precisamos ter muito cuidado diante daqueles que querem a mudança de verdades consolidadas em nome da modernidade ou em busca de um pouco de fama, porque lhes agrada a luz dos holofotes de uma existência efémera se não fosse o populismo garantido pelo espalhafato do chocante e anómalo. Os argumentos populistas não passam disso mesmo, sensacionalistas à imprensa, vistosos à opinião pública, rótulos sem conteúdo, doxa sem práxis. E se o busto do doutor não vai parar à academia de letras pelo engenho e pela arte, nem ao altar pela virtude e pela santidade, é preciso que apareça nas páginas dos jornais para ver se tem o seu momento de fama, que desaparece à medida que as páginas do pasquim terminam na reciclagem ou num uso mais prosaico.
Do ponto de vista moral, é preciso corrigir os que estão errados, em privado. Mas se o escândalo é público, a reparação precisa igualmente ser pública, restituindo a verdade e a ordem. É de justiça que assim se faça, e os autores mais recentes e conceituados são unânimes em afirmá-lo.[2] Ademais, não se pode esquecer que se destacam entre as sete obras de misericórdia espirituais três que têm a ver com este tema: Dar bons conselhos; ensinar os ignorantes; corrigir os que erram. Se eles não sabem, é preciso ensiná-los. Se sabem e erram conscientemente, é preciso corrigi-los. E se permanecem no erro, serem denunciados e conduzidos à autoridade. Empedernidos, poderão até mesmo serem desligados da comunidade, conforme prevê a Sagrada Escritura (Mt 18, 15-18). Também o Direito Canónico é claro: Cân. 1436 — § 1 “Quem negar uma verdade que deve ser acreditada com fé divina e católica ou a puser em dúvida ou repudiar totalmente a fé cristã e, legitimamente admoestado, não se corrigir, seja punido como herético ou como apóstata com a excomunhão maior; o clérigo pode, além disso, ser punido com outras penas, não excluída a deposição”. § 2 “Fora destes casos, quem rejeitar com pertinácia uma doutrina proposta como definitiva, ou defender uma doutrina condenada como errónea pelo Romano Pontífice ou pelo Colégio dos Bispos no exercício do magistério autêntico e, legitimamente admoestado, não se corrigir, seja punido com uma pena adequada”. No contexto do Discurso Eclesial (Mt 18, 1-35) e após falar do escândalo, Jesus prevê a correção fraterna. Seria incompreensível que entre teólogos e doutores, irmãos no ministério e em idêntica condição académica, não pudesse haver essa mesma atitude a que o Senhor nos impele, e diante do escândalo, realizar a necessária reparação. Ora, sendo pública e notória a falsa doutrina de alguns presbíteros e teólogos em algumas publicações, e não sendo o Povo de Deus indiferente a estas, é preciso uma resposta adequada, pois estas dão força aos que andam no erro, alegram os ímpios e desanimam os justos. Ora, exige-se que seja restituída a verdade! Diante da ordem reposta, os bons cristãos alegram-se, os indecisos decidem-se, os tíbios surpreendem-se, os menos bons não ficam indiferentes e os ruins rangem os dentes. Se a correção fraterna não for suficiente, conforme prevê o Direito Canónico, a autoridade deverá agir: “O Ordinário somente cuide de promover o processo judicial ou administrativo para aplicar ou declarar penas, quando tiver verificado que nem a correção fraterna nem a repreensão nem outros meios da solicitude pastoral são suficientes para reparar o escândalo, restabelecer a justiça, e emendar o réu” (Cân. 1341).
Poder-se-ia levantar a questão se a indiferença não seria o melhor meio de não dar protagonismo aos escândalos. Ora, a experiência recente tem revelado que a transparência e a verdade devem vir sempre à tona. Esconder os erros de alguns membros da Igreja tem sido mais prejudicial do que pastoral. E quando começam alguns confessores de língua portuguesa provenientes da África ou do Brasil a perguntar-nos quem é este ou aquele indivíduo, (os tais doutores de fato e gravata que eu tenho denunciado noutros artigos) porque o Povo de Deus tem vindo com sérios problemas de consciência depois de ler alguns artigos no jornal, a questão deve começar a preocupar todos os teólogos portugueses. Na medida em que estes indivíduos começam a perder almas, a firmar a opinião dos ateus e a ser um repasto para os anticlericais com as críticas constantemente dirigidas à Igreja, é preciso denunciar a situação e fazer oposição, levar à verdade e reparar a má ação. Curiosamente, um destes doutores engravatados até dizia num artigo há não muito tempo que os Cardeais da Cúria estavam a fazer perder a fé das pessoas. Isso não sei, nunca ouvi ninguém a queixar-se. Mas do hipócrita que escreveu isto, temos experiência de muitas pessoas perturbadas pelos seus escritos. A grande diferença é que, enquanto estes doutores dão a sua opinião pessoal, que valem pouco ou nada, quem defende a Igreja tem a seu lado a Bíblia, o Magistério, a Tradição, a História, o Catecismo, o Papa e o Episcopado e, o principal, o Espírito Santo. A adesão dada a uma opinião pessoal tem os erros próprios ao homem pecador e contingente que a profere, a volatilidade do subjetivismo e a inconstância que o tempo se encarregará de adaptar e mundanizar. A opinião da Igreja tem a força da Esposa Mística de Cristo, Aquela cujas portas do Inferno jamais prevalecerão (Mt 16, 18), eco e autoridade interpretativa d’Aquele que tem Palavras de Vida Eterna.
Seria melhor prevenir do que remediar. Os futuros pastores e doutores deveriam ser especialistas em docilidade à Igreja e fidelidade amorosa ao Magistério, conforme o próprio juramento que é feito no contexto académico e magisterial. Ensinar-lhes heresias com o fundamento de que são tão somente verdades exageradas, como fazem atualmente alguns professores de teologia, sem o aprendizado da devida refutação e o amor à verdade transmitida e ensinada pela Igreja, é correr um risco por demais evidente e tentador de alguns alunos e futuros presbíteros ficarem com o exagero e acabarem por esquecer-se da verdade. Ensina-se o erro de forma aliciante e a verdade de forma enfadonha. E como a doutrina proibida é a mais apetecida, corre-se o risco de cair e acreditar em heterodoxias, há muito refutadas e combatidas por Papas, Doutores, Santos e Mártires, Sínodos e Concílios, e os erros voltarem na medida em que os moles engolem e os tíbios não as combatem. Torna-se então um círculo vicioso, à medida que os doutores engravatados dos jornais as vão desenterrando dos cemitérios onde jazem há muito os heresiarcas e são abertos os sarcófagos das suas mentiras putrefatas. Ora, deixem-nos em paz, enterrados num passado ignóbil!!! Exaltem antes os Santos e os Doutores da Igreja, a magnífica história e a doutrina de Papas e Concílios, sobretudo os últimos, e lembrem os homens ilustres de tantos e belos ensinamentos e exemplos que nos deixaram, conforme aconselha o Eclesiástico (Ben Sira): “Louvemos os homens ilustres, nossos antepassados…” (44, 1-15 – convido-o a ler o belíssimo texto completo em rodapé).[3]
P. José Victorino de Andrade
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O Papa Francisco, na Veritatis Gaudium, apela à coerência de quem ensina. O Art. 26 do Documento, nas Normas Comuns (I Parte), lembra que:
- Todos os professores, seja qual for a sua categoria, devem distinguir-se por honestidade de vida, integridade de doutrina e constante dedicação ao desempenho do cargo, para que assim possam contribuir eficazmente para se conseguirem os objectivos próprios da instituição académica eclesiástica. Quando venha a faltar um destes requisitos, os docentes devem ser removidos da sua missão, observando o procedimento previsto (cf. can. 810 §1 e 818 CIC).
- Aos professores que ensinam matérias respeitantes à fé e aos costumes, é exigido que estejam conscientes de que este múnus deve ser exercido em plena comunhão com o Magistério autêntico da Igreja e, sobretudo, do Romano Pontífice.[4]
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[1] Ver o diálogo entre Raztinger e Habermas, sobretudo a questão relativa ao encontro da verdade no diálogo, no artigo que se encontra já neste site, na página: https://aportesdaigreja.com/2017/08/26/dialogos-fe-razao-o-encontro-de-ratzinger-com-habermas/
[2] Ver, por exemplo, ROYO MARÍN, Antonio. Teología moral para seglares. Vol. I. 7. Ed. Madrid: Bac, 2007. Ou ÁNGEL FUENTES, Miguel. Revestíos de entrañas de misericordia (libro de Teología Moral). 5a. ed. San Rafael: Verbo Encarnado, 2007.
[3] Elogio dos antepassados (44,1-15) 44 1Louvemos os homens ilustres, nossos antepassados, segundo as suas gerações. 2 O Senhor deu-lhes grande glória e magnificência, desde o princípio do mundo. 3 Eles governaram nos seus reinos, homens famosos pelo seu poder, conselheiros pela sua inteligência, anunciadores de oráculos proféticos. 4 Guias do povo, pelos seus conselhos, chefes do povo, pela sagacidade, sábios narradores, pelo seu ensino, 5 criadores de melodias musicais e cantores de poemas escritos. 6 Homens ricos, dotados de poder, vivendo em paz nas suas casas. 7 Todos eles alcançaram glória entre os seus contemporâneos e foram honrados no seu tempo. 8 Entre eles há quem deixou um nome, que continua a narrar as suas glórias. 9 Outros há, cuja memória já não existe; pereceram como se não tivessem existido, nasceram como se não tivessem nascido, e da mesma maneira, os seus filhos, depois deles. 10 Porém, aqueles foram homens de misericórdia, cujas obras de piedade não foram esquecidas. 11 Na sua descendência permanecem os seus bens, e a sua herança passa à sua posteridade. 12 Os seus descendentes mantiveram-se fiéis à Aliança, os seus filhos também, graças a eles. 13 A sua posteridade permanecerá para sempre, e a sua glória não terá fim. 14 Os seus corpos foram sepultados em paz, e o seu nome vive de geração em geração. 15 Os povos proclamarão a sua sabedoria, e a assembleia cantará os seus louvores (BÍBLIA SAGRADA. Lisboa/Fátima: Difusora Bíblica. 6. ed, jun 2015).
[4] Ver artigo https://aportesdaigreja.com/2018/07/28/para-uma-universidade-catolica-ser-catolica/
Enriquecem-me muito estes Artigos Belos. Vêm dar resposta aos meus anseios e dão força para combater a bom combate tantos “engravatados”
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