Ouve-se algumas vezes nos voos, antes das informações de segurança a bordo ou até pela necessidade de desligar os equipamentos eletrónicos, o comissário de bordo começar o seu alerta com a seguinte frase: “Você já sabe, mas não custa lembrar…”. Pretende chamar a atenção para uma necessidade especifica que é do conhecimento de todos, mas que não convém ficar relegada ao esquecimento e que deve ser destacada e tida em conta naquele preciso momento. Recentemente, um bispo Norte-Americano recordava uma verdade que parece ser básica, que todos parecem saber, mas que parecem não aplicar: Há um traje próprio para cada circunstância da nossa vida. Se fossemos visitar a Rainha da Inglaterra não levaríamos um traje casual ou de praia, então porque levamos trajes indignos para visitar o Rei dos reis?[1] Vestimo-nos de acordo com a temperatura, para atenuar os efeitos do frio ou do calor, mas também conforme a profissão, o local que visitamos e a tarefa que desempenhamos. Não confundimos a roupa do trabalho com a de praia, nem vamos visitar amigos íntimos com o mesmo traje que apresentaríamos diante de uma autoridade, numa cerimónia oficial, cujo protocolo exigisse a pessoa revestir-se digna e solenemente. Não se vai de calções para a Assembleia da República, nem se entra assim na maior parte dos tribunais, da mesma forma que muitos cafés, tascas ou tabernas exigem aos seus clientes que para ir beber um copo de vinho ou bagaço não entrem em tronco nu… A intimidade é na privacidade, no seu lar, no devido lugar, ou na sua casa de banho, mas num espaço público ou de outrem, a pessoa deve cumprir as regras mínimas da decência e da convivência. Diante da sociedade, e não mais na intimidade, a pessoa torna-se responsável pelo modo como interage com os demais, pois existem padrões pré-estabelecidos que estão por cima das opções individuais, uma vez que a liberdade de um termina onde começa a dos outros, o que nos é garantido não só pelas normas sociais como também pelas legais.
A modéstia é uma virtude que deriva da temperança e está relacionada com a humildade.[2] Portanto, a imodéstia no vestir revela uma pessoa orgulhosa e intemperante. Não é válido, portanto, o argumento que o traje pouco importa, desde que o coração esteja limpo. Pode-se estar bem vestido e ter um coração impuro, mas dificilmente será possível ter um coração puro com trajes impuros. Considero aqui o traje impuro e o coração impuro sobretudo aqueles que desejam atrair a si as vistas dos outros, causando-lhes desejo, provocando a tentação, sobretudo em lugares e circunstâncias que poderão constituir uma verdadeira agravante, colocando ademais os outros em perigo de pecar ou cooperando mesmo com o pecado. Quem vai para uma praia, já sabe o que vai lá encontrar, mas quem vai a uma igreja, ou um santuário, com certeza deve ir com outras intenções que não sejam olhar para as carnaturas das pobres criaturas. A responsabilidade não é só de quem olha e deseja, pecando no seu coração (Mt 5, 28), conforme ensina Nosso Senhor Jesus Cristo, mas também de quem se expõe de tal forma, que incentiva e pactua com o pecado dos outros. Além do local ou da circunstância, há outras agravantes. Quem atrai ao pecado ou quem se deixa seduzir por ele, caso sejam casados, revelam um desrespeito com o cônjuge e uma quebra da promessa mútua de fidelidade realizada diante de Deus e dos homens. É impossível ser reto e puro de coração, quebrando com esse divino contrato. Se pode vir a constituir um crime a quebra do contrato civil, e sem dúvida uma desonra faltar à palavra dada, é um crime desonroso diante de Deus, portanto, um pecado, quebrar com o juramento realizado ou fazer com que outros o quebrem. O respeito pelo próprio corpo, templo do Espírito Santo, leva São Paulo a advertir que os nossos corpos “são membros de Cristo” e como tal não podemos tomar estes membros para “fazer deles membros de uma prostituta” (1Cor 6, 15-19).
“Virão umas modas que ofenderão muito a Nosso Senhor”, revelava Nossa Senhora à pequena Jacinta Marto, que entendia as coisas dentro da compreensibilidade e inocência próprias à sua idade. Seria muito difícil ela inventar aquilo que a Mãe do Céu lhe comunicava acerca dos pecados da carne serem os que mais levam ao Inferno, pois nem compreendia todo o alcance do que isso significava. O reconhecimento canónico das aparições de Fátima teve em conta estas revelações privadas à Jacinta, sobretudo na parte tocante à afirmação de que “Nosso Senhor está muito irritado com os pecados dos homens e sobretudo com o pecado da carne”.[3] Fica patente que o problema central não é tanto a excentricidade ou o mau gosto de certas modas, mas a pior entre as modas de hoje, é essa falta de critério, de bom gosto e de bom senso, moral, para sabermos como nos devemos comportar e vestir num local sagrado. Vê-se gente que vai da mesma forma para uma praia como a uma igreja. Dentro do Santuário de Fátima, já vi até mesmo, infelizmente mais do que uma vez, homens em tronco nu… para não falar nas repetitivas queixas dos vigilantes que têm de impedir a entrada na Basílica, para vergonha dos transeuntes, certas senhoras em trajes de banho extremamente exíguos, que ao verem-se humilhadas gostam de humilhar quem está a trabalhar. O Evangelho de João conta-nos que o Apóstolo São Pedro, quando estava na pesca em trajes simplificados, práticos para a faina, revestiu-se para não comparecer de modo indigno diante de Jesus. Seria bom essa consciência alargada a todos os cristãos. Termino como São Paulo, na sua primeira carta aos Tessalonicenses: “Que o Deus da paz vos santifique totalmente, e todo o vosso ser – espírito, alma e corpo – se conserve irrepreensível para a vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo” (1 Ts 5, 23).
P. José Victorino de Andrade
____________________
[1] https://www.acidigital.com/noticias/sabe-como-se-vestir-para-ir-a-missa-este-bispo-explica-79081
[2] ROYO MARÍN, Antonio. Teología moral para seglares. Vol. I. 7. Ed. Madrid: Bac, 2007. p. 451.
[3] DCF-II, Doc. 11, p. 268-269. Carta Pastoral sobre o culto de Nossa Senhora de Fátima de D. José Alves Correia da Silva, Bispo de Leiria.
Excelentes reflexoes sobre temas da maior importancia. Para ler com tempo e proveito. Bem haja o autor!
GostarGostar