Será o homem descartável? Incoerências…

BiologiaExiste um movimento internacional que pugna pelos direitos dos animais, sem aquela parte relativa aos deveres, obviamente. Já li alguns autores de ética ditos modernos que defendem quebrarmos um dos últimos preconceitos. Se no passado houve predominância do racismo e do sexismo, hoje existe o especismo. Dizem sermos preconceituosos relativamente a outras espécies, sobretudo animais, não lhes outorgando os mesmos direitos e dignidade que nós temos. Recentemente, até saíram notícias sobre certo avanço de um país Asiático relativamente à administração de determinadas substâncias mortais a cães idosos ou doentes abandonados e recolhidos por um canil, sendo não só proibida mas penalizada tal prática. As associações protetoras dos animais, assim como todos os que desejam um fim menos cruel para os bichinhos, alegraram-se com a notícia. As notícias em Portugal eram um pouco diferentes e falavam da eutanásia. Enquanto alguns procuram uma legislação para não abreviar a vida do cão, aqui, pensa-se em legislar para antecipar a morte a idosos e doentes.
Temos visto por aqui várias instituições e personalidades simpáticas a algumas destas ideologias, e que acabam por cair em certas incoerências. São contra a destruição dos ovos de avestruz criminalizando-a, mas a favor do aborto, descriminalizando-o. São contra a morte dos touros nas touradas e a favor da morte assistida nos hospitais. Será que futuramente a situação vai inverter-se e vamos ter de pedir para, dos embriões aos idosos, termos todos os mesmos direitos que os animais progressivamente estão a alcançar? Mas passemos do sarcasmo a alguns pontos que parecem importantes e que reduzirei doravante ao âmbito da ética profissional e às concepções utilitaristas.

Esta questão da eutanásia causa certo embaraço, tanto do ponto de vista ideológico como até da medicina. Os médicos fazem o juramento de Hipócrates, no início da carreira, o que significa que faz parte da sua vocação promover a vida, não a morte. A medicina chegou a tais avanços que, hoje, é possível manter com dignidade o paciente até à morte natural, inclusive com ausência parcial ou quase total de dor. Não se aplica aos agentes de saúde abreviar a vida e conceder a morte, pois o trabalho deles é simplesmente diferente do carrasco. E uma vez que superamos a pena de morte em grande número de nações, porquê darmos um fim aos doentes que já não damos aos piores criminosos? Não parece nem justo, nem mesmo racional.

O problema é que a filosofia utilitarista, hoje tão em voga e que tantos livros vende, considera somente como pessoa aquele que é útil à sociedade. Aqueles que não estão no uso da razão, quer seja porque não a possuem, ou porque a perderam, deixam de estar incluídas na categoria de pessoas, talvez por não serem úteis…. Pretendem assim justificar alguns dos maiores crimes que se cometem contra a dignidade humana. Os mais frágeis não são os mais protegidos e o homem passa a ser descartável. Para o utilitarismo, “crianças muito pequenas, débeis mentais, anciãos com demência e indivíduos permanentemente inconscientes não deveriam ser considerados pessoas nem estariam, portanto, sujeitos aos direitos básicos que habitualmente anexamos às pessoas. Desde tal concepção tem cabimento o aborto, a eutanásia e todos aqueles males que concernem os débeis da sociedade”. 1

Um dos principais filósofos da ética utilitarista, muito afamado pela internet, defende a eutanásia com toda a logorreia. Certo dia, a mãe ficou muito doente, acamada e debilitada. Perguntaram-lhe porque não a enviava a uma instituição que pudesse exercer a eutanásia, abreviando-lhe o sofrimento com a morte. Mas tal não desejava para a sua própria mãe que amava. Pensar assim é muito bonito, quando é para a mãe dos outros, mas não para a sua. Afinal, a mãe dele ainda era objeto de algo, talvez o principal: o amor, capaz de vencer o utilitarismo…

Pe. José Victorino de Andrade

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1 “Niños muy pequeños, débiles mentales, ancianos en demencia y sujetos permanentemente inconscientes no deberían ser considerados personas ni serían, por tanto, sujetos de los derechos básicos que habitualmente adscribimos a las personas. Desde semejante planteamiento tienen cabida el aborto, la eutanasia y todos aquellos males que se ciernen sobre los débiles de la sociedad”. CARRODEGUAS NIETO, Celestino. El concepto de persona a la luz del Vaticano II. In: Lumen Veritatis. São Paulo, n. 12. p. 44 (tradução minha).

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